Victor Vidal

 CRIAR O QUE NUNCA FOI FEITO ANTES: GUTAI E AS ARTES JAPONESAS NO PÓS-GUERRA


Iniciada em meados do séc. XIX, a Era Meiji (1868 – 1912) foi caracterizada por abandonar as políticas isolacionistas da era anterior (Tokugawa, 1603 – 1867) e permitir a entrada de pessoas e elementos estrangeiros no país. A intensa influência externa representou um problema para a arte moderna japonesa, provocando quase uma crise de identidade em artistas e críticos. A cena artística no Japão no final do séc. XIX foi marcada pelo embate entre dois estilos de pintura que nasceram desse confronto com a arte ocidental: o Yōga, que explorava o sistema representativo da pintura europeia, e o Nihonga, que valorizava a tradição pictórica japonesa e buscava atualizá-la por meio de novas técnicas. A adoção de parâmetros ocidentais na cultura japonesa tornou as artes tradicionais, como a Cerimônia do Chá, por exemplo, periféricas, uma vez que não se encaixavam nesses novos modelos.

O debate a respeito da penetração de elementos ocidentais no país, aqui exemplificado no embate entre os estilos Yōga e Nihonga, acarretou no questionamento: é possível separar o moderno do ocidental? Para o filósofo e crítico literário Kōjin Karatani, não seria fácil realizar essa separação, uma vez que as origens da modernidade se encontravam no ocidente. Por sua vez, o curador e pesquisador de arte japonesa Doryun Chong defende que é equivocado localizar as origens da arte moderna japonesa na importação de elementos da arte moderna europeia, uma vez que a influência das estampas japonesas (ukiyo-e) na pintura impressionista é também muito grande. A intensa circulação de gravuras ukiyo-e pela Europa permitiu que os artistas japoneses imaginassem fazer parte de uma comunidade transnacional de pintores modernistas.

De acordo com Ming Tiampo [2007, p. 690], após a Segunda Guerra, a noção de originalidade no Japão se atrelou à individualidade e foi amplamente explorada na figura do artista revolucionário. Nas décadas de 1940 e 1950, os artistas japoneses batalharam para redescobrir sua voz em meio à repressão durante a guerra e, em seguida, com a presença militar americana. O desejo por uma nova linguagem artística caracterizou esse período. Os artistas enfrentaram mudanças significativas em relação à postura ideológica que deveriam assumir entre as artes, a política e a sociedade, enquanto buscavam entender a conexão entre a estética japonesa e a arte internacional. A busca por uma nova linguagem artística não compreendeu uma ruptura completa com a geração anterior de artistas, reflexões em torno dos significados da guerra eram o que mantinham unidas tanto a nova quanto a antiga geração. Embora fossem novos demais para participar de maneira ativa na guerra, esses jovens artistas presenciaram os horrores que ela provocara em seu país, estimulando-os a direcionar o debate artístico em torno da questão: como os artistas e as suas obras poderiam participar de maneira efetiva da realidade em que estavam inseridas? O artista Shunsuke Matsumoto (1912–1948), por exemplo, escreveu em 1946 uma carta aberta à comunidade artística convocando-os a participar de uma associação que buscasse realizar trabalhos que questionassem o papel da arte no pós-guerra.

Nesse sentido, Chong propõe organizar a arte do pós-guerra em duas narrativas: uma centrada no corpo e na figura humana e outra preocupada em transcender os gêneros artísticos tradicionais. Na primeira narrativa, encontramos os artistas que desenvolveram pinturas no período imediatamente após a guerra. Chamada de Reportagem, essa tendência artística procurou explorar os horrores da guerra, a repressão tanto do governo japonês quanto da presença militar norte-americana e as condições de trabalho que as camadas mais pobres da população enfrentavam.

O crítico de arte Teiichi Hijikata (1904-1980) foi um dos principais nomes a movimentar o debate sobre realismo na arte durante o pós-guerra. Reconhecendo que esse era um momento histórico de profundas mudanças, Hijikata se perguntava como os artistas deveriam retomar a produção de obras após o trabalho militar forçado. Como continuar produzindo após terem visto o que viram durante a guerra? Hijikata acreditava que os artistas deveriam cultivar uma consciência crítica a respeito da guerra e das suas consequências que permitisse reconstruir as práticas artistas em uma sociedade que se transformava. O crítico defendia que a arte deveria participar do processo de elaboração do presente. Nesse sentido, o debate em torno do realismo na arte japonesa não se configuraria como mais um estilo artístico, como o expressionismo ou o surrealismo, mas promoveria de uma maneira geral indagações sobre as possibilidades artísticas, o papel do artista na sociedade e a relevância social da arte diante de questões como a modernidade japonesa, as consequências da guerra, os desafios para reconstruir a cultura e a economia do país.

Como é possível perceber pela pintura de Reportagem, as obras manifestam características formais muito variadas, apresentando imagens tanto realistas quanto imagens que flertam com a abstração. O debate sobre o realismo na arte japonesa também marcou o início de uma crítica de arte diferente daquela realizada por Hijikata, que centrava suas análises nas habilidades do artista e nas qualidades formais; a crítica desenvolvida a partir da década de 1950 centra seus argumentos nos aspectos sociais que a obra de arte em questão permitiria elaborar.


"Criar o que nunca foi feito antes!", bradava Jirō Yoshihara (1905-1972) constantemente para os artistas do grupo Gutai. Quando fundou a Associação de Arte Gutai em dezembro de 1954, Yoshihara já havia conquistado reputação nacional como pintor surrealista. O artista logo percebeu, no entanto, que explorar a linguagem surrealista não seria o suficiente para descobrir uma nova identidade artística que fosse tanto japonesa quanto moderna. Em seu papel de agenciador, Yoshihara investiu financeiramente em jovens artistas, criou uma vasta biblioteca sobre arte e em diferentes ocasiões atuou como professor. Yoshihara acreditava na possibilidade de criação de uma comunidade artística formada por diferentes nações que compartilhassem entre si interesses em comum.

 

Durante sua juventude, Yoshihara desenvolveu uma obsessão pela ideia de originalidade na arte devido à sua aproximação com o artista Jirō Kamiyama (1895-1945), que repetia constantemente a importância da originalidade e individualidade em uma obra de arte. Kamiayma também o apresentou ao artista Tsuguharu Foujita (1886-1968), figura importante que marcou o diálogo entre as artes do ocidente e oriente. Em seu encontro com Foujita, Yoshihara mostrou suas obras ao artista e ficou devastado ao ouvir suas críticas: suas pinturas eram influenciadas demais por outros pintores. Os comentários de Foujita e a orientação de Kamiyama o motivaram a desenvolver uma obra de arte que fosse tanto original quanto japonesa. Ainda que estivesse ciente do status periférico do Gutai, Yoshihara orientou o grupo a estar atento às tendências artísticas internacionais e, dessa maneira, romper com a ideia de um modernismo ocidental excludente. “Yoshihara construiu o Gutai como um meio para ‘um terreno internacional comum’ de transação e influência mútua” [MUNROE; TIAMPO, 2013, p. 22]. 

Formada por dois caracteres, gu (ferramenta/meio) e tai (corpo/substância), a palavra japonesa “gutai” é comumente traduzida como “concreto”. A escolha dessa palavra como nome para o grupo indica um envolvimento direto dos artistas com os materiais utilizados na produção das obras e da arte com a realidade. Ao enfatizar os gestos livres e a concretude dos materiais escolhidos, os artistas do Gutai esperavam que as suas experiências ajudassem a reconstruir a autonomia subjetiva dos japoneses, fortemente abalada pela guerra e pela ocupação militar americana. A respeito das aspirações do grupo, Yoshihara defendia que: “O mais importante para nós é tornar a arte contemporânea um local de maior liberdade para as pessoas que vivem na realidade difícil de hoje, e para a criação de um local livre o bastante para contribuir para o progresso da humanidade” [YOSHIHARA apud. MUNROE; TIAMPO, 2013, p. 45].

De acordo com Ming Tiampo, podemos dividir a história do grupo Gutai em duas fases: durante a primeira fase, aproximadamente entre a data de sua criação até 1962, os trabalhos apresentados pelo grupo podem ser caracterizados por sua ênfase em uma criação livre atrelada à exploração da materialidade; já durante a segunda fase, entre 1962 e 1972, o grupo experimentou as novas tecnologias que estavam sendo introduzidas no país, em um esforço para criticar a lógica capitalista e a desumanização que estaria por trás do rápido crescimento industrial. Apesar dessa divisão, o Gutai manteve um princípio básico ao longo dos 18 anos de atuação: a inserção de obras nos ambientes públicos e a aproximação com vida cotidiana da população.

A liberdade defendida pelo Gutai não dizia respeito apenas aos regimes totalitários enfrentados pelo Japão nas últimas décadas, mas também a tendência à desumanização que, segundo eles, as sociedades contemporâneas adquiriram ao longo dos anos. Shōzō Shimamoto (1928-2013), um dos membros do Gutai, defendia a ideia de que as pessoas deveriam se preocupar também com aquilo que era inútil, em um contraste ao destaque dado ao trabalho e a otimização do tempo e dos vários setores da sociedade na reconstrução do país. “Por mais contraditório que possa parecer, eu acredito que a coisa mais útil que podemos pensar ou fazer é aquilo que é convencionalmente considerado inútil, porque é o que provará verdadeiramente que estamos vivos” [SHIMAMOTO apud. MUNROE; TIAMPO, 2013, p. 278]. No mesmo sentido, o artista Yozo Ukita (1924-2013) defendia que as pessoas deveriam ser mais estranhas. “Em minha opinião, porém, precisamos ser ‘esquisitos’ até o âmago. Se uma pessoa não é esquisita, ela não tem valor como ser humano. Se ele não tem gosto como ser humano, equipado com diferentes trabalhos mentais que falta aos animais, ele não é melhor que uma garrafa de cerveja” [UKITA apud. MUNROE; TIAMPO, 2013, p. 278].

No final da década de 1940, antes de fundar o grupo, Yoshihara foi convidado para realizar uma série de palestras para o jornal Kirin, que destacava em suas páginas poemas e trabalhos de artes feitos por crianças. Depois dessa experiência, Yoshihara se mostrou bastante atraído pela criatividade livre de estereótipos das crianças. O ato de brincar, que permeou quase todas as obras desse evento, funcionou como um veículo para o fortalecimento da democracia, um meio de incentivar o público a pensar e agir livremente. A presença das crianças e a educação infantil, voltada ao desenvolvimento da capacidade de pensar e agir de maneira livre e independente, ganharam papéis importantes para pensar um futuro livre do totalitarismo e das manipulações das massas.

No artigo Vamos fazer travessuras, Shōzō Shimamoto defende a importância de transgredir regras para o desenvolvimento da independência subjetiva. Por meio dos exemplos elencados pelo artista, podemos perceber suas reais intenções com o artigo: defender a transgressão de regras das artes tradicionais para alcançar um novo tipo de arte. “Como então você faz boas travessuras? A única maneira é fazer suas próprias ferramentas para isso. Por exemplo, você pode criar uma tela de papel e quebrá-la, ou comprar uma folha de papel enorme e espalhar cores de maneira aleatória” [SHIMAMOTO apud. MUNROE; TIAMPO, 2013, p. 276].

Em seu manifesto, Yoshihara afirmava que, ainda que eles se apresentassem como grupo, não existia imposições de regras no Gutai. “O nosso espaço é um lugar de criação livre no qual buscamos ativamente diversas experimentações, que vão desde a arte para ser apreciada com o corpo inteiro até a arte tátil e a música Gutai […]” [YOSHIHARA apud. MUNROE; TIAMPO, 2013, p. 19]. Os integrantes do grupo se orientavam por um desejo em explorar a relação artista e materiais, mas cada um interpretou esse desejo à sua maneira e escolheu o material que mais o interessava. Em contraponto às ideias nacionalistas e militares do período da guerra que exaltavam o coletivismo em favor de uma causa maior, o Gutai procurou desenvolver as diferentes possibilidades de coletivismo e comunidade sem reprimir as características e os desejos individuais de cada artista. Nesse sentido, a heterogeneidade de obras era valorizada e não representava uma desorientação ou desordem do grupo; representava um desejo em repensar as ideias de comunidade e homogeneidade exaltada durante o período da guerra.

Durante a segunda fase de atuação do grupo Gutai, os artistas procuraram questionar os usos das novas tecnologias que estavam sendo desenvolvidas no país e o seu potencial caráter desumanizador. Durante o período de reconstrução após a guerra, o Japão investiu tanto em implementar quanto desenvolver novas tecnologias, procurando abandonar a imagem de um país rural para se transformar em um país tecnológico. No entanto, as explosões das bombas atômicas geraram certa ansiedade nas pessoas em relação ao desenvolvimento e uso de aparatos tecnológicos.

Uma das primeiras artistas do grupo Gutai a explorar as tensões entre as subjetividades humanas e as novas tecnologias foi Atsuko Tanaka (1932 - 2005). Impactada pelo intenso desenvolvimento industrial e tecnológico que assolou o Japão durante a década de 1950, Tanaka afirmava que os trens eram suas musas para a criação artística. Nascida em Osaka, a artista viu sua cidade natal ser intensamente transformada pela implantação das primeiras linhas ferroviárias na região. Na obra Eletric Dress (1956), Tanaka aparece trajando uma roupa construída por quase duzentas lâmpadas pintadas à mão com tinta de esmalte de resina sintética. A “roupa” pesava aproximadamente 50 quilos e precisava ser suspensa no teto para que a artista conseguisse vesti-la. Dentro do seu vestido de lâmpadas, a artista aparece presa por uma estrutura tecnológica, incapaz de se movimentar de maneira habitual devido ao pesado dispositivo em seu corpo. Em Eletric Dress (1956) existe uma fusão entre o humano e a máquina, criando um ser híbrido que nos proporciona sentimentos de incompletude e estranheza. A roupa tecnológica enfatizava a capacidade da força industrial, das novas tecnologias desenvolvidas no pós-guerra, em dominar os sentidos. Na ocasião em que vestiu a roupa pela primeira vez e ouviu que ligariam a energia das lâmpadas, Tanaka se lembra de pensar: “é assim que um prisioneiro no corredor da morte se sentiria?” [TANAKA apud. KUNIMOTO, 2017, p. 144].

Além da abertura da Pinacoteca Gutai em 1962, a segunda fase de atuação do grupo foi marcada por uma grande exposição no museu Stedelijk, em Amsterdã, e pela participação na Expo 70, que ocorreu em Osaka e exibiu produtos de alta tecnologia, servindo de vitrine para o novo Japão. Em uma das performances realizadas na Expo 70, o Gutai apresentou uma máquina que piscava luzes, produzia sons e se movimentava aparentemente sem um objetivo preciso. Desenvolvida em conjunto pelo grupo, podemos perceber o desejo dos artistas em propor uma reflexão sobre a desumanização da tecnologia quando descobrimos o nome dado à performance: Pai e filho robôs (1970).

Intencionando parodiar e questionar a maneira como o mercado de arte comercializava as obras e criava tendências, o grupo Gutai elaborou em conjunto uma máquina que vendia obras de arte por preços bem baixos. Similar a uma máquina de bebidas, bastava colocar uma moeda de 10 ienes para receber uma pintura abstrata do tamanho de um cartão postal. A máquina foi instalada dentro da loja de departamentos Takashimaya, em Namba, Osaka, durante a 11ª exposição do grupo. Gutai Card Box (1962) se apresentava também como um comentário à automatização e à mecanização da sociedade. No entanto, a máquina não funcionava de maneira mecânica, dentro da estrutura permanecia um dos membros do grupo que selecionava quais cartões seriam entregues aos visitantes.

Após a Expo 70, o grupo atravessou uma profunda crise que levou ao seu desmembramento depois que Yoshihara sofreu um derrame e faleceu em 1972. Os preparativos para o evento consumiram tanto financeiramente quanto intelectualmente e artisticamente o grupo, culminando em desentendimentos e afastamentos. Um dos legados do Gutai para as artes japonesas se encontra na busca dos artistas por liberdade criativa ao se expressar. As atividades do grupo pavimentaram o caminho para uma geração de jovens artistas que na década seguinte realizou experiências radicais com engajamento político afiado.

 

Referências

Victor Vidal é doutorando em Artes Visuais pelo PPGAV-UFRJ, na linha de pesquisa em História e Crítica da Arte. Sua pesquisa aborda as relações entre o grupo japonês Gutai e o movimento concretista no Brasil.

 

CHONG, Doryun (ed.). Tokyo 1955 – 1970: a new avant-garde. New York: The Museum of Modern Art, 2012.

HAYASHI, Michio; CHONG, Doryun; KAJIYA, Kenji; SUMITOMO, Fumihiko (ed.). From Postwar to Postmodern: Art in Japan 1945 - 1989. Primary Documents. New York: The Museum of Modern Art, 2012.

KARATANI, Kōjin. Origins of Modern Japanese Literature. Durham: Duke University Press, 1993.

KUNIMOTO, Namiko. "Shiraga Kazuo: the hero and concrete violence". In: Art History, vol. 36. Londres: Association of Art Historians, 2012.

MEREWETHER, Charles (org.). Art, anti-art, non-art: experimentations in the public sphere in postwar Japan, 1950-1970. Los Angeles: Getty Research Institute, 2007.

MUNROE, Alexandra; TIAMPO, Ming. Gutai, Splendid Playground. New York: The Solomon Guggenheim Museum, 2013.

SAS, Miryam. Experimental Arts in Postwar Japan: Moments of Encounter, Engagement and Imagined Return. Cambridge: Harvard University Press, 2010.

TIAMPO, Ming. "Create what has never been done before!" In: Third Text, vol. 21. 2007.

9 comentários:

  1. Boa tarde, senhor Vidal. Parabéns pela pesquisa, para mim é um tema novo. Até então nunca tinha ouvido falar do “Gutai”. Tenho algumas questões a respeito do grupo, bem como do Concretismo brasileiro.
    A que formato de arte os membros do “Gutai” se voltavam? Era apenas artes plásticas ou visuais (inclua-se aqui o cinema), ou também há registros de produção literária e poética? É possível ao senhor aprofundar um pouco mais nas influências e pensamento de Yoshihara? Mesmo aqueles que anseiam pela originalidade (e por vezes alcançam) possuem suas fontes principais.
    Quanto ao Concretismo no Brasil, como o senhor percebe as proximidades entre ele e o “Gutai”? Quando fala de Concretismo, o senhor está incluindo a produção literária de Haroldo e Augusto de Campos?
    Atenciosamente,
    João Antonio Machado.

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    1. Olá, João Machado, muito obrigado pelas perguntas.
      A produção artística do Gutai era multidisciplinar, abarcando diversos meios artísticos, como pintura, performance, apresentações teatrais, vestuário, criação de objetos interativos. No entanto, durante uma fase de contato com o artista francês Michel Tapié, os artistas do Gutai se dedicaram por um tempo à produção quase exclusiva de pinturas, pela facilidade de enviar as obras para outros países.
      Durante sua juventude, o artista Jirō Yoshihara desenvolveu uma obsessão pela ideia de originalidade na arte devido à sua aproximação com o artista Jirō Kamiyama, que repetia constantemente a importância da originalidade e individualidade em uma obra de arte. Kamiayma também o apresentou ao artista Tsuguharu Foujita, figura importante que marcou o diálogo entre as artes do ocidente e oriente. Tanto Kamiyama quanto Foujita foram essenciais para a formação de Yoshihara.
      A proposta de diálogo com o Gutai se refere ao concretismo nas artes visuais, especialmente a vertente Neoconcreta. Penso nessa aproximação a partir da proposta de elaboração de uma obra de arte livre de simbolismos, objetiva e que pretenda estabelecer uma relação direta com o público, diferente daquela ligada exclusivamente à contemplação na tradição.
      Victor Vidal

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  2. Olá, gostei bastante do texto, e ao ler me lembrei um pouco sobre as discussões sobre tempo histórico, principalmente algumas noções desenvolvidas por Reinhart Koselleck e gostaria de saber se é possível dizer que nessa busca pelo novo, por uma nova linguagem artística, por novas formas de entender a relação entre arte/ política/sociedade surge devido a vontade de romper com esse passado traumático? Manifestando um momento de redescobertas, reconstruções ...
    Obrigada! Laís Fernanda Fernandes Dutra

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    1. Olá, Laís Dutra, muito obrigado pelas perguntas.
      Os artistas do grupo Gutai, como diversos outros no pós-guerra no Japão, não buscavam esquecer os traumas do passado. Diversas obras do Gutai lidam diretamente com as consequências da guerra. A busca por uma nova linguagem vem do desejo de encontrar uma forma de expressão artística equivalente ao mundo novo que surgia após a guerra. Existia também o desejo de dialogar com as artes produzidas em outros países, um diálogo a partir de uma linguagem que fosse tanto japonesa quanto internacional.
      Victor Vidal

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  3. Bom dia, Victor. Adorei o texto e a temática, muito bem explanada. Gostaria de perguntar em relação a geração de 1980 adiante, a qual ja está inserida totalmente na cultura pop mundial e ocidental. Você afirma ao final do texto que esses movimentos influenciaram adiante jovens em busca de liberdade e com afinco político, você poderia falar um pouco mais dessa geração seguinte e se eles carregam o mesmo prefixo artistico?

    Douglas Pastrello

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    1. Olá, Douglas Pastrello, muito obrigado pela pergunta.
      Os integrantes do grupo Gutai se orientavam pelo desejo de enfatizar os gestos livres e a concretude dos materiais escolhidos, esperando que as suas experiências afirmativas ajudassem a reconstruir a autonomia subjetiva dos japoneses após a guerra. A geração seguinte de artistas trilhou o caminho deixado pelo Gutai em relação à liberdade criativa e ao diálogo com as artes produzidas ao redor do planeta. A geração pós-Gutai não lida diretamente com as consequências da Segunda Guerra Mundial e apresentam múltiplas narrativas, como a crise da identidade em um mundo transcultural, os problemas econômicos engendrados pelo liberalismo, questões de gênero nas instituições artísticas.
      Victor Vidal

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  5. Olá Victor, parabéns pelo seu texto, sempre bom encontrar um pesquisador de artes japonesas vinculado ao PPGAV-UFRJ, que também foi minha casa de formação na pós (mestrado em Imagem e Cultura). Minha postagem aqui não é uma pergunta, mas apenas um comentário sobre alguns pontos específicos do texto, e adoraria ler mais sobre suas perspectivas caso queira responder.

    Gostei muito de conhecer mais sobre o Gutai, grupo tão importante nesse contexto do pós-guerra. Como pesquisador de fotografia japonesa do período, inevitavelmente fui fazendo umas associações com os lemas e objetivos do grupo com alguns dos que encontrei em fotógrafos, como a ideia defendida pelo Yoshihara de "criar o que nunca foi feito antes", ideia que alavancou práticas do grupo mas ao mesmo tempo é tão utópica quanto a busca por uma imagem isenta de subjetividade, como queriam os criadores do Realismo Fotográfico em 1950. Aliás, me interessou muito a ideia de pintura de Reportagem como um movimento plástico associado à uma busca pelo realismo, ainda que pudesse se manifestar de maneira abstrata. É curioso observar de maneira interdisciplinar como as modalidades artísticas do período do pós-guerra estavam se formando, e seu texto contribuiu bastante para expandir essas reflexões.

    Ficaria muito contente de ler sua tese quando ela estiver pronta, pelo texto você dá algumas pistas sobre as possíveis associações do Gutai com o Movimento Concretista, mas adoraria ver seus argumentos em profundidade.

    Aliás, gostaria também de saber se você possui as referências das sua bibliografia em PDF, pois há livros ali que estou procurando mas estão com valores inacessíveis. Qualquer coisa já seria de grande ajuda hehe.

    Forte abraço!
    Lucas Camara Gibson

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    1. Olá, Lucas, muito obrigado pelos comentários. Realmente são poucas as pessoas que estudam Ásia no PPGAV-UFRJ, o diálogo acaba se tornando um pouco restrito.
      De fato, as ideias de Yoshihara parecem bastante utópicas, no entanto, as experimentações do grupo apresentaram inovações relevantes, no Japão e no mundo, e pavimentaram o caminho para inúmeros artistas que buscavam expandir a compreensão de arte. E eu observo que esse caminho começou com a pintura de Reportagem, que, mesmo objetivando retratar os horrores da guerra, ultrapassou ideias tradicionais da pintura. O grupo Gutai, e talvez essa seja uma das suas contribuições para a arte japonesa no pós-guerra, se empenhou em apresentar uma produção interdisciplinar e variada. É também por esse caminho, pelo desejo de aproximar público-obra-arte de uma maneira diferente daquela da tradição, que eu procuro aproximar o Gutai e o Movimento Concretista.
      Sobre as referências bibliográficas, são poucos os títulos que eu possuo o arquivo em PDF, mas me escreva um e-mail (raphaelrente@gmail.com).
      Victor Vidal

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