Rogério Akiti Dezem

A FOTOGRAFIA COMO MEDIADORA DA MODERNIDADE JAPONESA (1860-1890)

 

Nas últimas décadas do século XIX, o que denominamos comumente de “Ocidente” interpretou o Japão através de um caleidoscópio no qual se fundiam o encanto da recriação literária, a admiração estética do Japonismo e olhares cheios de surpresa, admiração e temor acerca do vertiginoso processo de modernização japonês. Produto material desses olhares sobre o “outro” asiático podem ser notados em imagens (iconografia e fotografia) e nos discursos positivos e outros nem tanto, acerca do Japão e dos seus “pequenos habitantes”.  Neste contexto histórico de rápidas transformações (1860-1890), a literatura de viagem e a fotografia irão se justapor, e às vezes se fundir, alimentando o ávido imaginário europeu pelo diferente, misterioso e “exótico” Japão.

Foi a partir dos retratos de Yokohama (jap.Yokohama shashin), fotografias e séries fotográficas temáticas encadernadas em belos álbuns, produzidos pelos pioneiros estúdios estrangeiros na crescente cidade portuária homônima e da literatura de viagem, produzida por escritores viajantes a partir de 1860, que as bases do que denomino “desejo do olhar” sobre o Japão, seus habitantes e costumes se conformaram. A aproximação dessas diferentes formas de narrativa contribuiu para consolidação de um imaginário sobre o país perante a Europa e América do Norte, ao mesmo tempo em que uma nova intelligentsia japonesa se apropriava deste discurso literário-imagético para ora reforçar a própria imagem divulgada a partir dos olhares não-japoneses, ora negá-la, influenciando a produção literária e imagética autóctone para consolidar um ideal de nação moderna não só perante o olhar estrangeiro, mas doméstico também.

 

Pode-se afirmar que haviam receios por parte do governo Meiji (1868-1912) de que a jovem nação japonesa fosse retratada pelos europeus e norte-americanos apenas por seus elementos tradicionais (i.e. “não modernos”), muitas vezes vistos de forma estereotipada e que sedimentavam um imaginário sobre o país na direção do rol dos exotismos asiáticos da segunda metade do século 19. Desse modo a aposta das autoridades japonesas em participar ativamente das grandes Exposições Mundiais, verdadeiras vitrines do progresso na época, foi uma estratégia que se mostrou acertada e cumpriu os objetivos do governo japonês a partir de 1873 (Expo de Viena) que era o de apresentar “a new Japan to the world at that exposition, more vigorously than at previous expositions” [National Diet Library, 2011].

 

A jovem nação japonesa desejava ser vista pelo público ocidental a partir de uma perspectiva que associasse os universos do tradicional (artes, artesanato, arquitetura), admirado pelos estrangeiros e do moderno (industrialização, tecnologia), perseguido pelo governo japonês. Sob essa perspectiva o uso da fotografia pode ser visto como um dos principais instrumentos modernos – como a ferrovia, o telégrafo entre outros -  de mediação da modernidade japonesa perante ao “outro” não-japonês. Isso pode ser percebido na Exposição Mundial de 1888 (Expo de Barcelona), onde pela primeira vez o Japão apresentou também “uma coleção de fotografias que possibilitavam os visitantes se aproximar da realidade do Japão moderno, que naquele momento desenvolvia novas indústrias e investia em infraestrutura e construções modernas”[Bru, 2016, p. 48].

Dessa maneira veremos que o aparato fotográfico passa a dialogar também com as xilogravuras japonesas (esteticamente influenciadas pelo olhar fin d’sieclé ocidental) enfatizavam aspectos positivos do processo de modernização pari passu ao “desejo do olhar” britânico, francês e norte-americano, ávidos por consumir as impressões, muitas vezes estereotipadas da maior “descoberta” ocidental de meados do século 19: o Japão. Essa estratégia que teve na fotografia um dos seus condutores pode ser definida como representação de uma “modernidade exibitória” (ingl. exhibitory modernity) [Shao, 2004. pp.5-6] levada a cabo pelo governo japonês.

Nesse jogo de imagens, a tentativa de afirmação japonesa perante as potências ocidentais teve como um dos pontos altos a publicação em Tóquio (ca.1910) do álbum fotográfico Sights and Scenes in Fair Japan pelo Imperial Government Railways (jap.Tetsudôin). Com 50 fotografias (com legendas em inglês) produzidas pelo fotógrafo japonês Ogawa Kazumasa (1860-1929) e cuidadosamente coloridas à mão. Podemos considerar o álbum como a epítome de uma maneira de propaganda imagética japonesa associando do Japão “novo”/”velho”. Um esplendido cartão de visita aos olhos de viajantes, turistas e diplomatas estrangeiros. No entanto no início do século 20 com a vitória do Japão na Guerra Russo-Japonesa (1904-05), conflito fartamente documentado na época em artigos, livros e imagens, os olhares sobre o Japão passam a ser filtrados a partir de novos elementos, como o militarismo e o nacionalismo por exemplo, fazendo com que a semiótica sobre o Japão se tornasse cada vez mais complexa.

Portanto, neste contexto de transitoriedade histórica, enquanto as potências ocidentais da época tomavam a frente na construção e disseminação de discursos literários e imagéticos sobre o Japão e os seus habitantes, a elite Meiji fazia o mesmo, produzindo discursos sobre o país e sobre a Europa. Verdadeiro jogo de espelhos, no qual o Japão passava a ser um grande espelho baço, onde europeus e norte-americanos buscavam definir/classificar o “outro” japonês, mas acabando na realidade, por encontrar o próprio reflexo [Dezem, 2014, p. 202].

Em pouco mais de trinta anos (1860-1890), esse encontro proporcionou ao “Ocidente” uma experiência incômoda, levando ao limite o seu modo de pensar e ver o Japão. Limitação configurada na busca de uma realidade japonesa imaginada/desejada que deixava de existir ou que, possivelmente, nunca existiu.

Levantamos três hipóteses para demonstrar a contribuição essencial da fotografia como mediadora entre o tradicional e o moderno: 1) como um fator de afirmação da modernidade japonesa perante as potências ocidentais da época; 2) na construção e alimentação de um “desejo do olhar” sobre o Japão; 3) como fator de domesticação e diferenciação do Japão/japoneses perante ao “outro” asiático. Neste paper, por se tratar de uma pesquisa ainda em início e pela limitação da apresentação, serão exploradas apenas as hipóteses 1 e 2.

 

A fotografia como instrumento da modernidade

Podemos afirmar que a fotografia moderna chegou ao Japão em 1848 (via Ueno Shunojo um comerciante de Nagasaki), acontecimento muito mais simbólico do que prático, pois foram necessários alguns anos para que se dominasse a técnica da daguerreotipia e se produzisse a primeira “fotografia” no Japão: o retrato do daymio Shimazu Nariakira de Satsuma feita por Ichiki Shiro (1828-1903) e seus assistentes em 1857. [Bennett, 2006, p.35] Na mesma época os primeiros daguerreótipos com imagens do Japão produzidos pelo fotógrafo militar Eliphalet M. Brown Jr.(1816-1886), presente nas expedições do Comodoro Mathew C. Perry ao Japão (1853-54) eram divulgados nos Estados Unidos [Hight, 2011, p.54].

No âmbito dos conceitos e palavras importadas da Europa que deveriam ser adaptadas ou vertidas à língua japonesa, se encontrava a própria definição do termo “fotografia”, técnica ainda pouquíssimo difundida no arquipélago na década de 1850. O termo que se tornou recorrente até os dias atuais para representar essa nova técnica foi shashin  a partir da combinação de dois ideogramas:   “reproduzir”   “verdade”. Termo de origem chinesa que já era utilizado para denominar a escola chinesa de pintura (retratos) [Iizawa, 1995, p. 38-39].

No entanto, em seus primeiros anos, essa técnica de “escrever com a luz” foi descrita como um “espelho de imprimir a sombra” (jap. inei-kyô), “espelho de impressão direta da sombra” (jap. chokusha-ei-kyô) ou “espelho de imprimir sombras” (jap. inshô-kyô). Foi só a partir da década de 1860, com a abertura de estúdios fotográficos comerciais em Yokohama que o termo shashin se tornou recorrente [Idem, p. 39].

Visto como uma forma surpreendente de representação do real (mimesis) pela elite e de acesso para poucos privilegiados devido ao alto custo de um retrato, a fotografia em terras japonesas teve de superar uma série de obstáculos iniciais. Como por exemplo, o domínio correto da técnica, o acesso aos materiais fotográficos (placas de vidro/metal, papel, químicos, lentes, câmeras etc), além de um misto de desconfiança/estranhamento por parte da população. Desconfiança acerca dos “efeitos” da mais recente novidade que se popularizava, receava-se de que após ser fotografado a sombra do retratado desapareceria, a alma ficaria presa ao retrato ou ainda que alguns dias após ter sido retratado o indivíduo não teria mais do que três anos de vida [Low, 2006, p.5] Neste contexto de superstições e transitoriedade histórica,  a fotografia se consolidou como um dos principais instrumentos da modernidade europeia, influenciando o universo das artes, dos costumes e no domínio de uma tecnologia alienígena que contribuiu de forma decisiva a maneira de retratar e narrar o Japão da era Meiji.

Ao longo da década de 1870 os obstáculos iniciais citados acima foram sendo superados e a fotografia japonesa começou efetivamente a criar a sua própria “identidade”. Uma nascente indústria fotográfica surgiu em Tóquio a partir de dois nomes pioneiros: Tokichi Asanuma (1852-1929)  fundador da Asanuma Shokai em 1871 e  Rokuemon Sugiura (1847-1921) fundador da  Konishi Honten em 1873. Casas importadoras de material fotográfico rivais e que logo passaram a fabricar papéis fotográficos, produtos químicos, vender e consertar lentes e câmeras (que ainda eram importadas), tornando-se referências pioneiras na aquisição de material fotográfico no período [Tanaka, 1991, p.4-5].

O temor em ser retratado também foi se dissipando, graças inicialmente a iniciativa de alguns jovens samurais contrários ao governo do Bakufu (i.e. Shogunato) como Takasugi Shinsaku (1839-1867) e Sakamoto Ryôma (1836-1867). Defensores incondicionais da restauração do Imperador ao poder que se deixaram fotografar no estúdio de um dos fotógrafos japoneses pioneiros Ueno Hikoma (1838-1904) em Nagasaki durante a era Keiô (1865-1867). [Junichi, 2004, p.24] O objetivo destes jovens samurais era deixar um memento para a família caso fossem mortos em batalha. Acabando por se eternizarem como verdadeiros patriotas da história moderna japonesa,  não só por suas ações, mas também graças aos seus retratos, provas documentais “realistas” de sua existência.

O uso da fotografia também foi decisivo no processo de visualização e disseminação da imagem do jovem Mutsuhito (1852-1912) recém instaurado ao poder como Imperador Meiji (1868). Representá-lo a partir de imagens cuidadosamente selecionadas, também fazia parte do projeto modernizador da elite governante. Pois a figura do novo chefe de Estado era considerada como um dos elementos coadunadores da jovem nação japonesa. Essa estratégia serviria para popularizar a figura do Imperador perante aos súditos japoneses que não tinham ideia de como seria a figura humana daquela entidade considerada “divina”. Além disso, sua imagem seria usada como instrumento de propaganda no exterior, como uma representação oficial daquele que assumia o poder em um momento que o Japão recebia os holofotes do mundo.   E nada mais moderno do que retratar o governante e sua consorte, a Imperatriz Haruko (1849-1914), por meio da fotografia. Entre 1868-1873 foram produzidas imagens (xilogravuras, pinturas e fotografias) do Imperador, no entanto a quase totalidade foi considerada não satisfatória para divulgação pública, pois não eram “suficientemente modernas” [Keene, 2002, p. 237] A razão dessa interdição, deveu-se principalmente pelas imagens retratarem Mutsuhito trajando vestes tradicionais ou cerimoniais. Essa questão foi resolvida em outubro de 1873, quando apenas o Imperador Meiji foi retratado pelo fotógrafo Uchida Kuichi (1844-1875), o mais conceituado fotógrafo de retratos da capital japonesa [Low, 2006, p.11] e o único a quem havia sido permitido fotografar imperador em ocasiões anteriores.

As duas fotografias em questão (figura 1 e 2) foram amplamente divulgadas em jornais estrangeiros, álbuns oficiais, repartições públicas, escolas e presenteadas a representantes diplomáticos de outros países. Elas apresentam o casal imperial de forma separada, a Imperatriz Haruko em trajes cerimoniais da corte japonesa (em foto tirada no ano de 1872) e o Imperador Meiji em trajes militares ocidentais e com cavanhaque, bigode e corte de cabelo bem ao gosto europeu da época. Essa justaposição de imagens representando o tradicional (figura feminina)” e o moderno (figura masculina), mediadas pela fotografia, apresentam de forma inequívoca as intenções da elite governante Meiji em afirmar a modernidade japonesa (vista como masculina e militar)  perante as potências ocidentais como parte de uma “tradição inventada” [ver Hobsbawm, 1983, p.1-14] na qual o tradicional e o moderno passaram a coexistir.



Imperador Meiji (fig. 1) e Imperatriz Haruko (fig. 2)- Impressões em albumina (c. 1873) de autoria de Uchida Kuichi. Domínio Público.  (Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Uchida_Kuichi)

 

A fotografia e o “desejo do olhar” sobre o Japão

Em 1889 um jovem britânico aspirante a escritor, Rudyard Kipling (1865-1936), em sua coluna “Cartas do Japão” para um periódico indiano, escrevia: “If you buy nothing else in Japan... you must buy photographs (...)”. [Hight, 2011, p. 66] Kipling fazia alusão as belas -  e  exóticas - fotografias no formato de cartões de visita, um dos principais souvenirs adquiridos por turistas estrangeiros, muitos deles ávidos colecionadores deste tipo de iconografia. Ou no caso do poeta e escritor Oscar Wilde (1854-1900) que nunca havia estado no Japão, mas que na época ao examinar cuidadosamente xilogravuras dos artistas japoneses  Hokusai e Hiroshige expressou uma sensação única de “sentir-se em Tóquio”.[Abou-Joude, 2016, p. 1] Esses dois exemplos da possibilidade da importância do uso de imagens como idealizador do “outro” japonês, vem de encontro a afirmação da escritora Susan Sontag (1933-2004) “(...) sentiment is more likely to crystalize around a photograph than around a verbal slogan” [Sontag, 2003, p.85].

As décadas de 1860-1880 representaram não só o aprimoramento da técnica fotográfica, como também o amadurecimento de um imaginário (geralmente positivo) sobre o Japão a partir das fotografias produzidas pelos estúdios fotográficos pioneiros nas cidades portuárias de Nagasaki e Yokohama. Neste contexto, destacam-se fotógrafos estrangeiros e japoneses como o pioneiro suíço Pierre Rossier (1829-1886) e o seu pupilo o fotógrafo japonês Ueno Hikoma (1838-1904) baseados em Nagasaki e os japoneses Shimooka Renjo (1823-1914), Kusakabe Kimbei (1841-1934) e o austríaco Raimund von Stillfried (1839-1911) em Yokohama. No entanto, foi a figura emblemática do fotógrafo ítalo-britânico Felice Beato (ca. 1832- ca. 1909) residente no Japão entre os anos de 1863-1877, a principal referência quando se trata da produção e comercialização de imagens do arquipélago japonês durante o período aqui perscrutado.

Beato já tinha uma carreira como fotógrafo consolidada quando se estabeleceu em Yokohama, graças as suas imagens produzidas em alguns nos principais conflitos de meados do século 19 como a Guerra da Criméia (1855), Revolta dos Cipaios (1858) na Índia e a Segunda Guerra do Ópio (1860) na China. Ele foi o primeiro a reconhecer o potencial comercial não apenas das fotografias individuais comercializadas em vários tamanhos como era o costume, mas a partir da confecção de belos álbuns fotográficos contendo entre 50 a 100 imagens que se ajustassem ao gosto da clientela estrangeira que visitava o seu estúdio [Hockley, 2004, p. 68] Em 1868 o primeiro álbum confeccionado por Beato é montado Photographic Views of japan with Historical and Descriptive Notes, Compiled from Authentic Sources, and Personal Observation During a Residence of Several Years, produto de extensivas excursões pelos principais pontos turísticos (e outros nem tanto...), criando um extenso e variado portfólio sobre a nação em vias de modernização e que começava a receber um afluxo cada vez maior de turistas de classe alta. 

A partir desse modelo de álbum contendo séries de imagens (muitas cuidadosamente colorizadas à mão) associadas a temas recorrentes como “Paisagens” “Portos abertos: Yokohama, Nagasaki e Hakodate” (onde notamos mais claramente o processo de modernização) “Retratos”, “Templos e Santuários” e fotografias montadas em estúdio ou fora dele (jap. Shajô) retratando aspectos da “Vida urbana”, “Vida doméstica” e “Costumes”. Grande parte desse material era produzido a partir de olhares e gostos estrangeiros sobre o Japão, mas isso não impedia que estúdios fotográficos japoneses seguissem essa lucrativa empreitada. Essa demanda gerou uma concorrência entre os principais estúdios que tinham como um dos principais objetivos apresentar uma imagem idealizada do Japão, visto como verdadeira fairyland na linguagem da época e que servisse também como um souvenir raro que muitas vezes seguia o itinerário da estadia (breve ou não) de quem adquiria o álbum fotográfico. 

Abaixo podemos ver dois exemplos de Yokohama shashin produzidas por Beato. As figuras 3 e 4 representam dois dos temas muito estimados pelos estrangeiros: as belezas naturais, como o Monte Fuji e todo o seu simbolismo e a beleza (jap. bijin) do feminino japonês, visto geralmente como sutil, misterioso e ingênuo. Dessa forma pode-se notar que em muitos momentos a iconografia dialoga diretamente com as narrativas presentes na literatura de viagem, que nesse instante é confrontada por imagens de uma jovem nação distante e em transição.

Figura 3: Vista do Monte Fuji. Autor: Felice Beato. s/d. Domínio Público. (Fonte: https://www.theitalianeyemagazine.com/en/the-art-of-yokohama-shashin-milan/)

 

Figura 4: Sem título. Autor: Felice Beato. s/d. Domínio Público. (Fonte: https://www.theitalianeyemagazine.com/en/the-art-of-yokohama-shashin-milan/)

 

Para finalizar, a título de comparação seria importante citar uma outra forma muito popular e tradicional artística usada para representar a transitoriedade japonesa no período: a xilogravura (jap. moku hanga). Como foi mencionado, a maior parte da população japonesa não tinha condições econômicas ou interesse em adquirir fotografias avulsas, cartões de visita ou os álbuns luxuosos citados na época. Provavelmente pelos mesmos retratarem, em grande parte um Japão visto como ‘ultrapassado” e apresentando elementos do cotidiano desinteressantes para os nativos. No entanto, mesmo com o advento da fotografia, as baratas xilogravuras exaltando a modernidade japonesa eram consumidas amplamente pela população. Artistas e governo estiveram em consonância sobre a forma de como muitas dessas imagens deveriam representadas e divulgadas. Um exemplo desse “Japão Novo” a ser mostrado, pode ser visto na fig. 5 abaixo. A xilogravura retrata jovens operárias japonesas vestidas com vistosos quimonos, trabalhando em uma moderna máquina de fiar seda na primeira exposição industrial nacional realizada em 1877 no parque de Ueno em Tóquio. Notamos na imagem espectadores japoneses vestindo trajes mais tradicionais e alguns trajes europeus. Olhares de estupefação do público presente direcionados a aspectos da tecnologia recém-importada, como também à destreza das jovens interagindo de forma “natural” com o maquinário.

Figura 5: Máquina de enrolar seda apresentada na Exposição Nacional Industrial Japonesa, 1877. Autor: Utagawa Kuniaki II. Domínio Público. (Fonte: https://ukiyo-e.org/image/mfa/sc11160)

 

É importante ressaltar que no período a seda japonesa era um dos principais produtos de exportação japonesa e dessa forma a escolha de representar a moderna tecnologia de produção dessa commodity a partir da representação do tradicional (seda, quimonos) e o moderno (tecnologia, operárias mulheres) fazia parte efetiva da estratégia do governo japonês como forma de criar novos simbolismos a partir de algo já existente (fiação de seda). O historiador David G. Wittner define esse simbolismo como uma forma de “materialidade cultural” (ingl. cultural materiality”) definida por ele como “(...) the construction and reconstruction of an identity in terms of technological artifacts. ‘An identity’ can be individual or group, or even national; and all the members of the group are not necessarily active participants in the process”.[Wittner, 2009, p.4] Dessa forma, o recém-chegado aparato fotográfico e a tradicional xilogravura alimentaram o “desejo do olhar” não-asiático sobre o Japão a partir de diferentes perspectivas, propósitos e estratégias entre as décadas de 1860 a 1890.

 

Referências

Rogério Akiti Dezem é Historiador e Professor de Cultura e História do Brasil no Departamento de Estudos Luso-Brasileiros da Universidade de Osaka (Japão).

 

ABOU-JOUDE, Amir. A Pure Invention: Japan, Impressionism, and the West, 1853-1906.

BENNETT, Terry. Photography in Japan 1853-1912. Hong Kong: Tuttle Publishing, 2006.

BRU R. “Japón en la Exposición Universal de 1888”. Estudios de arte español y latinoamericano(17), 2016, p.41- 52.

DEZEM, Rogério Akiti. “Através do olhar do ‘outro’: Uma breve comparação entre os discursos diplomáticos britânico e lusitano sobre o Japão no período final da era Meiji (1890-1912)”. Studies in Language and Culture 40. Graduate School of Language and Culture. Osaka: Osaka University, 2014.

HIGHT, Eleanor M. Capturing Japan in Nineteenth-Century. New Engalnd Photography Collections.Surrey: Ashgate Publishing Company, 2011.

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JUNICHI, Himeno. “Encounters with foreign photographers. The Introduction and Spread of Photography in Kyûshû” in: Rousmaniere, Nicole C.& Hirayama, Mikiko (edited by). Reflecting Truth. Japanese Photography in the Nineteenth Century. Netherlands: Hotei Publishing, 2004.pp. 18-29.

KEENE, Donald. Emperor of Japan. Meiji and His World (1852-1912). New York: Columbia University Press, 2002.

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WITTNER, David G.. Technology and the Culture of Progress in Meiji Japan. London and New York: Routledge /Asian Studies Association of Australia (ASAA) East Asia Series, 2009.

  

17 comentários:

  1. Ótimo artigo e pesquisa. Gostaria de saber se a questão da fotografia tinha maior influência de algum país em específico do "ocidente". Tendo em vista que na Era Menji muitos jovens japoneses iam para as faculdades prussianas e francesas para trazer/integrar essa "modernidade" ao Japão. Logo, seriam esses os países ocidentais que mais influenciaram o Japão na fotografia? Se houveram mais, quais seriam? Desde já, muito obrigado.

    Marco Antonio Gomes Wasem

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    1. Bom dia/noite Marco Antônio, agradeço a leitura do texto e a pertinente questão. Os rudimentos da fotografia chegam ao Japão entre as décadas de 1840-1850 via Deshima (entreposto comercial controlado pelos holandeses no período de “isolamento voluntário” ou sakoku). Dessa forma a primeira influência europeia sobre aqueles daymios do sul do arquipélago japonês, curiosos e interessados na “misteriosa, trabalhosa e nova” técnica do daguerreotipia foi holandesa. A partir das traduções dos manuais (principalmente de química) em holandês, alguns entusiastas japoneses dos estudos “ocidentais” (rangakusha, 蘭学者 )tentaram produzir as primeiras “fotografias” usando equipamentos importados. A partir da reabertura (1854) do país e da chegada de fotógrafos estrangeiros como o francês P. Roussier e o ítalo-britânico Felice Beato e consequentemente a abertura de estúdios fotográficos nos portos de Nagasaki e Yokohama nas décadas de 1860-70, a técnica fotográfica passa a ser dominada e divulgada para aprendizes japoneses. Ela se tornará “popular” (i.e. acessível) a partir do início do século XX apenas. Portanto a responsabilidade pela consolidação e divulgação da fotografia em terras nipônicas se deveu muito mais 1) inicialmente a indivíduos da elite samurai no sul do Japão pre-Meiji interessados em compreender o “Ocidente” criando dessa forma uma “referência nativa” sobre fotografia na região de Kyushu; 2)de fotógrafos estrangeiros (e seus aprendizes japoneses) em solo japonês, que se tornaram referências não só no Japão (Yokohama shashin) mas na Europa também com experts em traduzir por meio de imagens o “outro” nipônico. Claro que os jovens japoneses da elite Meiji que foram para o exterior para estudar o “saber Ocidental” na década de 1870, podem ter trazido algum material ou conhecimento ligado a técnica fotográfica, mas na bibliografia e documentos que pesquisei até o momento não encontrei nenhuma menção a isto. Espero ter respondido a sua interessante questão.

      Rogério A. Dezem

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  2. Olá querido professor Rogério, meus parabéns pelo ótimo texto e pela pesquisa.

    A partir da leitura do artigo, percebe-se que a produção fotográfica de 1860 a 1890 privilegiava a fabricação de uma realidade imagética que unisse o tradicional (desejo do olhar estrangeiro) e o moderno (desejo do governo japonês), com objetivos específicos de ambos os lados. Muitos retratos que conhecemos dessa época são produzidos de modo a privilegiar a pose e a construção fotográfica, pensando todos os detalhes que resultariam em fotografias que interessassem os dois lados (sem prejuízo dos eventuais "incômodos" que os estrangeiros sentiram ao se depararem com um Japão diferente do idealizado, conforme você mencionou). Neste ponto, gostaria de saber: o período de 1860 a 1890 permitiu a proliferação de imagens menos ensaiadas, marcadas por uma documentação mais espontânea, e em teoria "mais entregues" aos caprichos do acaso e da falta de planejamento? A documentação de um cotidiano mais banal e corriqueiro, desconectada de ideias ora de exotismos ora de propaganda, era algo presente? Claro que toda fotografia é em si um recorte escolhido e subjetivo, e também estamos falando de uma época em que os materiais eram mais robustos e inacessíveis, mas fiquei pensando se havia algum espaço de destaque no Japão para imagens de abordagens diferentes, ou se isso é algo que só se desenvolverá mais ao longo do século XX.

    Obrigado!

    Lucas Camara Gibson

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    1. Olá Lucas, agradeço a sua leitura atenta e questionamentos valiosos de alguém que é da área dos estudos da fotografia japonesa. Vamos lá…
      Ao menos até a década de 1890 a maneira de representar o Japão e os japoneses, seguia as padronizações citadas no texto, a partir da demanda dos estúdios de estrangeiros e japoneses de renome, mas acredito que com desenvolvimento de novas técnicas fotográficas (processo de revelação, câmeras e lentes) certamente “novas” experiências em retratar o cotidiano japonês “de forma mais banal e corriqueira” surgiram. Mas na literatura que pesquisei não encontrei nenhuma menção de fotógrafos que efetivamente foram para as ruas retratar de maneira menos comercial e mais espontânea, subjetiva e despretensiosa a realidade transitória pela qual o país passava. Além das limitações pecuniárias, pois o material ainda era caro (e fotografar algo que não fosse para o portfólio do estúdio era algo provavelmente pouco pensado…), existiam limitações espaciais (principalmente entre 1860-70) de locais onde um estrangeiro poderia fotografar, geralmente esses fotógrafos tinham 2-3 assistentes japoneses que se tornavam “aprendizes” e seguiam exatamente cada passo do “mestre”. Cito aqui uma anedota ocorrida antes de 1868 (“Restauração Meiji”), contada por um dos assistentes japoneses do quase mitológico fotógrafo Felice Beato que um dia nos arredores de Yokohama queria fotografar uma das suntuosas casas de um daimiô (“senhor de terras”). Ao iniciar a montagem do equipamento para produzir a imagem, um dos guardas da casa interpelou o grupo e disse que era “proibido estar ali”. Beato rapidamente pediu que o guarda perguntasse ao daimiô diretamente sobre a permissão para fotografar a casa. No lapso de tempo em que o guarda foi e voltou com a resposta negativa, Beato captou a imagem (para o espanto e regozijo dos seus assistentes). Seu objetivo era adquirir uma imagem “única” para o portfólio do seu estúdio e vendê-la e não somente pelo simples “prazer de desafiar a autoridade” ou mantê-la para si como um souvenir.
      Fora do âmbito dos estúdios (décadas de 1860-70) alguns fotógrafos europeus amadores (jornalistas, escritores, diplomatas, viajantes) fizeram uso da fotografia para retratar o Japão de uma forma mais pessoal e espontânea como o francês Antoine Fauchery (1823-861), o britânico Frederick Sutton (1832-1883) e o austríaco Wilhelm J. Burger (1844-1920), mas pouquíssimo material destes fotógrafos chegou até nós hoje infelizmente.
      A norma nas décadas iniciais, se baseou no olhar dos fotógrafos europeus pioneiros no Japão que enxergavam a fotografia como um instrumento de representação de um olhar exótico/saudosista sobre o país e também como uma maneira de “domesticar o outro japonês “ e comercializá-lo. Enquanto que os fotógrafos profissionais japoneses (a partir da década de 1880) viam no domínio da técnica fotográfica uma maneira de (tentar) se igualar ao “Ocidente” e demonstrar que eram capazes de construir uma narrativa (moderna/tradicional) sobre si mesmos e também comercializá-la, dessa forma eles contribuiriam para a construção de uma “modernidade japonesa “a partir de imagens montadas e cuidadosamente selecionadas. Neste contexto acredito que existiam poucas condições e intenções em se desenvolver (experimentar, sim) uma fotografia “de rua” ou algo que se aproximasse ao trabalho pioneiro do fotógrafo francês E. Atget (1857-1927) em Paris cuja a preservação de uma memória urbana (“banal e corriqueira”) perante a modernidade foi um dos pontos principais. Obrigado.

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    2. Obrigado pela resposta! Muito curiosa essa história do Beato, já mostra um ímpeto em produzir algo que iria além desta documentação mais protocolar. Obrigado pelos nomes dos fotógrafos que produziram imagens mais pessoais do Japão, quem sabe um dia não encontramos essas imagens? E seria definitivamente curioso encontrar um fotógrafo japonês que produzisse imagens à moda Atget nessa época! Conversamos mais pelas outras redes, obrigado Mestre!

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    3. Você tem o livro do BENNET, não tem? Abraço!

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  3. Minha outra pergunta é sobre os álbuns de fotografia dessa época. Percebe-se pela leitura que eles eram construídos a partir de uma lógica bem comercial, reunindo imagens que dessem conta das idealizações estrangeiras sobre o Japão. Gostaria de saber se havia estúdios fotográficos que procuravam produzir álbuns que fugissem a essa regra, assumindo uma posição mais autoral e independente na produção de narrativas, privilegiando uma visão mais subjetiva e autêntica do Japão da época. Obrigado!

    Lucas Camara Gibson

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    1. Consultando novamente as duas ótimas referências (ver BENNETT, Terry e HOCKLEY, Allen) sobre a confecção, produção e disseminação dos álbuns fotográficos entre 1870-1890, não há menção de nenhum estúdio que buscasse uma produção mais "autoral" ou mais independente e limitada. O que temos são dois padrões básicos de álbuns: aqueles já prontos, produzidos pelo estúdio (estrangeiro ou japonês) seguindo uma cronologia de lugares/figuras humanas e aqueles que são montados a partir de uma seleção prévia do comprador de imagens variadas. Dessa forma a seleção e sequência das imagens (narrativa visual)poderia ser creditada como "autoral", mas percebe-se que não havia uma grande variação na escolha dos temas/imagens. Geralmente girando em torno da natureza japonesa, cenas do cotidiano e a "infalível" figura feminina nipônica. Abraço!!

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    2. Obrigado prof! Me interessa muito pensar essa questão da confecção de álbuns no século XIX, acho que é fundamental para compreender o que entendemos como "fotolivro" nos dias de hoje e as ideias por trás de narrativa e sequência. Vamos debater melhor depois! Abs!

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    3. Olá, Lucas! Eu acredito que seja um caminho interessante para suas pesquisas futuras, pois algumas décadas depois (1900) com o surgimento dos clubes de fotografia, surgiram publicações amadoras e tb as revistas e periódicos sobre fotografia ao mesmo tempo que estes álbuns iam perdendo mercado e desaparecendo (não completamente). Abração!

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  4. Excelente pesquisa e escrita, parabéns Prof. Rogério Dezem!
    Primeiramente, gostaria que me ajudasse: - De que forma pode-se pensar o uso desse apanhado de fotografias oitocentistas relativas ao Japão, em sala de aula? Ou melhor, no Ensino de História na Educação Básica? Embora sua pesquisa não seja voltada para este viés, gostaria que me fornecesse uma sugestão mais didático-pedagógica, se possível, a fim de aguçar no alunado, mediado por novas abordagens e dimensões, o " desejo de olhar" sobre o Japão, expressão esta que utilizara em sua construção textual.
    Desde já, muito obrigado!

    Maykon Albuquerque Lacerda

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    1. Bom dia, Maykon. Agradeço a sua leitura do texto, ao seu interesse e a tão pertinente questão, pois trabalhar esse material iconográfico sobre o Japão em uma sala de aula brasileira certamente será de grande valia. Como o perfil dos alunos se encontra na educação básica, acredito que esse material (visto sob a perspectiva de documentos primários) pode ser usado como uma “introdução ao Japão” (tema) e o eixo das aulas poderia ser a questão do que pode ser considerado “tradicional” e “moderno”. A partir da discussão prévia destes conceitos e colocando em evidência que cada um de nós temos uma (ou várias) imagens/ideias sobre o Japão/japoneses, atualmente muito associada à cultura POP (mangá, animê, J-POP, Cosplay etc).Seria interessante desenvolver um diálogo com/entre os alunos em sala partindo do imaginário atual (“moderno”) sobre o Japão (perspectiva dos estudantes) e depois usar as imagens pioneiras produzidas a partir de meados do século XIX (Yokohama shashin)como elementos provocadores, comparando realidades “diferentes” (até que ponto são diferentes? O que é diferente? O que permanece?)Caberia ao professor (claro) a seleção das imagens de acordo com o feedback inicial da garotada. Por exemplo, se a maioria mencionar/apresentar imagens de heróis de mangá e animê, o professor faria um contraponto a partir da seleção de imagens de samurais, figuras históricas (“heróis reais”) e pessoas comuns da época (1860-1900). A ideia seria, além de introduzir um “Japão antigo” a partir da fotografia - contraposta ao “atual Japão ” - ressaltar a importância da imagem (fotografia) como documento histórico e artístico, pois essas imagens/álbuns ainda são colecionáveis até hoje. Ao final os alunos poderiam ser questionados se gostariam de visitar esse Japão “antigo” (se houvesse uma máquina do tempo…) retratado a partir do “desejo do olhar” estrangeiro na época. Meu caro Maykon, como professor/educador você bem sabe que as possibilidades são infinitas…Aqui foram alguns insights, espero ter ajudado. Bom trabalho!Um site importante para a seleção de imagens antigas do Japão para trabalhar em sala é este: https://www.oldphotosjapan.com/period/Meiji

      Att,

      Rogério Akiti Dezem

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  5. Além das aproximações temáticas, que aproximações estéticas (composições, cores, enquadramentos) podemos traçar entre essas obras fotográficas (1869-1890) com as xilogravuras?

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    1. Bom dia/noite Victor. Agradeço a sua questão relativa à última parte do meu texto, quando apresento de forma brevíssima a relação entre o aparato fotográfico e a técnica da xilogravura como evocadora de um “desejo do olhar” sobre o Japão. A partir do final da década de 1850 no Japão começou a efetivamente a ocorrer um estudo mais efetivo e qualificado sobre a arte ocidental (i.e. europeia) que em japonês recebeu a denominação de yôga (洋画) em contraposição a arte japonesa (Nihonga, 日本画) . A relação entre a fotografia e xilogravura se iniciou neste contexto de inovações técnicas e também estéticas. No início, devido à impossibilidade em se produzir cópias das imagens captadas pelos daguerreotipos e ambrotipos os positivos eram copiadas fielmente em litogravuras (a partir de matrizes em madeira como na xilogravura ou metal) para estamparem periódicos ou serem comercializados de forma avulsa. Foi a partir de meados da década de 1860 que ocorreu um diálogo maior (concorrência?) entre a fotografia (“moderno”) e a xilogravura (“tradicional “). É interessante notar que as famosas paisagens japonesas imortalizadas por Hiroshige e Hokusai derivam da tradição meisho e (名所絵) ou “lugares famosos” mencionados na literatura clássica japonesa que também acabaram por influenciar o olhar fotográfico japonês e estrangeiro na época. No âmbito estético ocorreu uma influência mútua, mesmo com o declínio da popularidade das xilogravuras em relação a fotografia a partir das décadas de 1880-1890. O fotógrafo Felice Beato foi provavelmente o pioneiro no Japão a colorizar as fotografias do seu portfólio (originalmente em preto e branco ou sépia), por uma questão exclusivamente de mercado a partir do final da década de 1860. Para realizar esse trabalho tedioso e meticuloso eram contratados artistas japoneses costumavam que trabalhar em ateliês de xilogravura, mas que estavam desempregados devido à diminuição da demanda deste tipo de arte em certas cidades. O processo de colorir as fotografias usando pigmentos solúveis em água era demorado e delicado, um colorista finalizava 2-3 imagens por dia, por isso alguns estúdios fotográficos como o de Beato tinham entre 20-50 artistas responsáveis por colorir as fotos e criar “únicas” obras pictóricas a partir de técnicas e cores oriundas do universo ukiyo-e.
      Já a influência da yôga e da fotografia no universo da xilogravura pode ser percebida no trabalho pioneiro do artista Kobayashi Kyoshika (1847-1915) que desenvolveu em suas xilogravuras a partir do uso de cores/tonalidades/sombreados e perspectiva um estilo denominado kosenga. Seu objetivo era ser o mais realista possível e dar uma maior “dinâmica” as imagens ao retratar a influência da modernização na cidade de Tóquio por exemplo. Ainda jovem, o artista estudou fotografia com Shimooka Renjo um dos grandes fotógrafos japoneses na época. Desse modo percebe-se no belo trabalho xilográfico de Kyoshika - considerado o “último grande mestre do ukiyo e” - durante a era Meiji (1868-1912) as aproximações estéticas entre a fotografia, arte ocidental e da técnica da xilogravura (e depois litogravura). Como se trata de uma pesquisa ainda inicial não mergulhei a fundo nesta relação da fotografia e da xilogravura tradicional japonesa, mas seu questionamento me fez pensar alguns pontos ainda em aberto para direcionar a minha pesquisa. Obrigado. Ps. Este é artigo (em japonês) bem interessante sobre a temática: https://researchmap.jp/sugawaram/published_papers/11798605/attachment_file.pdf

      Att,

      Rogério Akiti Dezem

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    2. Errata: “Este artigo (em japonês) é bem…”

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  6. parabéns pela pesquisa. Podemos afirmar que essas produções de imagens tinham por finalidade atrair investimentos e por consequência desenvolvimento industrial com fins de sobressair como potencia regional e buscar aliados em caso de conflitos com outras nações orientais?

    valter aparecido barcala

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    1. Boa noite/dia Valter, agradeço a leitura do texto e a pertinente pergunta. Primeiramente seria importante salientar que o capital produzido pela venda das imagens e álbuns fotográficos, como na grande maioria dos casos se tratavam de estúdios fotográficos privados, os lucros iam direto para o fotógrafo. Com o aumento da concorrência ao longo décadas de 1880-1890 e de acidentes (a principal causa deles era por incêndios) muitos estúdios famosos (ou nem tanto) faliram. De modo que não há internamente uma relação direta entre o capital oriundo dos estúdios com investimentos associados a industrialização. No período apresentado no texto, a fotografia era usada principalmente como propaganda de aspectos da modernidade japonesa visando atrair as atenções estrangeiras. Dessa forma ela objetivava muito mais “apresentar o novo Japão” e atrair turistas do que propriamente investimentos maciços (isso ocorria no espaço das Expos Mundiais mencionadas no texto). Já no âmbito da geopolítica, o grande “turning point” da fotografia e xilogravura japonesa - objetivando sobressair como potência regional - ocorreu a partir da década de 1890 com o militarismo e o nacionalismo japonês dando os seus primeiros passos efetivos. A partir do conflito Sino- Japonês (1894-95) o uso da iconografia como propaganda para se aproximar cada vez mais do “Ocidente” e se distanciar da Ásia será fundamental (Ver Aliança Anglo-Japonesa de 1902). Durante a guerra, chineses e japoneses foram retratados de forma contrastante nas impressionantes e populares xilogravuras produzidas por artistas japoneses como Kobayashi Toshimitsu ou Mizuno Toshikata. As batalhas e os militares japoneses eram retratados de forma heróica como “brancos” e os chineses como “amarelos” e de forma muitas vezes caricata…Neste contexto a fotografia vista como “mais realista” tendeu a ser um pouco menos popular (mas os retratos dos militares vendiam bem) em território japonês como propaganda da guerra. E dessa forma criou-se uma narrativa imagética do conflito nunca antes vista no Japão. Chamando efetivamente a atenção de potências europeias (para o bem ou para o mal) sobre o Japão que deixava para trás as imagens associadas ao “inofensivo” Japonismo. Portanto essa sua questão seria tema para um outro longo texto…

      Att,

      Rogério Akiti Dezem

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