José Carvalho Vanzelli

O PERÍODO SENGOKU, PORTUGUESES (CRISTÃOS) E JAPONESES (BUDISTAS) EM KIRISHITAN NOBUNAGA, DE OSANAI KAORU


O período da história japonesa conhecido como sengoku jidai [era dos estados beligerantes, em tradução livre] [1467-1615] é, sem dúvida, o mais recordado em adaptações artísticas. O preeminente papel dos célebres samurais, as complexas tramas políticas e os vários elementos culturais que hoje são vistos como “tradicionais” fazem com que essa época seja um “prato cheio” para recriações e adaptações literárias, teatrais, fílmicas, em mangá e anime, ou até mesmo videogames. Assim, há mais de um século, abundam referências, tanto no Japão como no exterior, a este período nas mais diferentes linguagens artísticas.

Aos falantes de língua portuguesa, no entanto, esse período da história japonesa é especialmente interessante por razões distintas. Foi justamente durante o período sengoku que os portugueses aportaram e se estabeleceram em territórios da ilha de Kyūshū, sendo os primeiros europeus a travar relações com o[s] governante[s] do Japão. Este contato, que durou pouco mais de setenta anos, mudou de modo indelével tanto os rumos das guerras no Japão quanto a história de Portugal. Os lusitanos, ao se quedarem no Japão, além de novas tecnologias que convieram perfeitamente ao período belicoso em que o Japão se encontrava, levaram uma nova religião: o cristianismo. Como Charles Boxer [1951] explana, os portugueses lograram em monopolizar a intermediação do comércio do Japão com o exterior – não apenas com a Europa, como também com a China –, vinculando a presença do chamado kurofune [a nau que anualmente trazia e levava bens e minérios do Japão] à missão catequizadora controlada pela Companhia de Jesus e supervisionada pela coroa lusitana. Assim, estabeleceu-se um vínculo umbilical entre comércio e religião, que obteve um relativo êxito durante a segunda metade do século XVI.

O protagonismo exercido por Portugal na intermediação das relações do Japão com o restante do mundo faz com que a segunda metade do Quinhentos seja o período recordado de modo quase exclusivo pelos escritores portugueses que retratam o Japão. Não são poucos os relatos de viagem e romances históricos que, desde final do século XIX até nossos dias, buscam recontar e rememorar nomes e fatos dessa presença lusitana no arquipélago japonês.

Entretanto, não é apenas na arte portuguesa que o contato quinhentista entre Portugal e Japão é recriado. Textos japoneses também oferecem interessantes visões sobre o encontro desses povos, possibilitando ricas comparações em torno das visões e representações de ambos os lados. Nesta comunicação, proponho tecer algumas breves considerações em torno de um desses textos: a peça Kirishitan Nobunaga [“Nobunaga cristão”, em tradução livre] [1926], de Osanai Kaoru [1881-1928], conhecido como “o pai do shingeki” [Kumagai, 2015, p. 40, tradução minha]. Esta peça em um ato reconstrói um encontro histórico, ocorrido no ano de 1569, entre o famoso líder militar Oda Nobunaga [1534-1582], o padre jesuíta Luís Fróis [1532-1597] e o monge budista Asayama Nichijō [?-1577]. Obviamente, são muitos os aspectos que podem ser avultados neste texto. No entanto, atento aos limites deste trabalho, ater-me-ei apenas a algumas considerações gerais da peça e ao modo como são representados o padre jesuíta e o monge budista.

Osanai Kaoru, embora seja pouco conhecido no Brasil, é um nome significativo para a literatura, o teatro e o cinema japonês do primeiro quartel do século XX. Foi figura central na adaptação das artes dramáticas tradicionais japonesas aos moldes do teatro ocidental, recebendo grande influência dos movimentos realista e naturalista europeus. Assim, foi preponderante no estabelecimento do chamado teatro moderno japonês, ou shingeki, que, grosso modo, diz respeito à dramaturgia elaborada tendo a estética europeia como paradigma. Osanai conviveu com importantes nomes das artes japonesas das eras Meiji [1868-1912] e Taishō [1912-1926], como Mori Ōgai [1862-1922], Tanizaki Jun’ichirō [1886-1965] e Uchimura Kanzō [1861-1930]. Este último nome parece ser de especial significância para o pensamento e a obra de Osanai, uma vez que foi por meio de Uchimura [Kato, 1983, p. 154] que o dramaturgo se converteu ao cristianismo em 1900. Osanai logo abandona a fé cristã, e se torna adepto da Sugamo-no-shiseiden [a partir de 1916] e, posteriormente, da Oomoto-kyō [a partir de 1920] [Kumagai, 2016, p. 51], duas das várias novas crenças que surgem no Japão ao longo das efervescentes eras Meiji e Taishō. Entretanto, o dramaturgo em nenhum momento deixa de ter a fé cristã no horizonte de suas reflexões. Inclusive, segundo Kumagai [2016, p. 62], na década de 1920, a última que viveu, Osanai escreveu algumas peças que têm uma “forte relação com o cristianismo” [tradução minha], sendo Kirishitan Nobunaga uma delas. Parece consenso entre os especialistas em sua obra que o convívio com Uchimura, declaradamente um pacifista [Kato, 1983, p. 154] que fez oposição à Guerra Russo-Japonesa [1904-1905], ajudou a moldar o pensamento de Osanai em torno das religiões e da espiritualidade, que, conforme indica Kumagai [2015], é um dos pontos-chave para se entender sua obra. Aqui, no entanto, não pretendo desenvolver este tópico. Como disse, minha atenção estará na representação das personagens Asayama Nichijō e Luís Fróis.

Antes, no entanto, é preciso destacar que o diálogo levado aos palcos por Osanai não se trata de um encontro fictício, imaginado pelo autor, mas um evento real registrado na Historia de Japam, de Luís Fróis [Cf. Fróis, 1981, p. 282-290]. Portanto, o que o dramaturgo faz é colocar como personagem a pessoa que não só vivenciou, mas também registrou o fato histórico. Não nos é possível afirmar que o texto de Fróis tenha sido a fonte a qual o dramaturgo recorreu para montar sua obra. Entretanto, a existência do relato do sacerdote português acerca do encontro nos abre caminhos de estudos comparativos entre os textos. Sendo, ainda, os textos jesuítas fontes importantes para se entender a história do Japão, uma vez que, para Boxer [1951, p. 50, tradução minha], esses religiosos eram “agudos e inteligentes observadores da vida mundana que os rodeava” e “os principais historiadores japoneses [Anesaki, Murakami, Koda, entre outros] avaliam muito bem a correspondência [das descrições dos jesuítas com a dos japoneses]”, é válido averiguar até que ponto os relatos do jesuíta e a peça de Osanai dialogam. 

Na peça, Asayama Nichijō é um monge que trabalha como o engenheiro de Oda Nobunaga, o protagonista do espetáculo, na construção de um castelo ao xogum Ashikaga Yoshiaki [1537-1597]. O monge é caracterizado pelo ódio aos cristãos. A todo momento, Nichijō surge com dizeres hostis a tudo que vem de fora do Japão. Em determinado momento da peça, Oda Nobunaga pergunta ao monge se ele não achava úteis os escravos negros trazidos e ofertados pelos cristãos. Responde o budista: “Por mais que o senhor os elogie, eu os odeio. Eu odeio os cristãos. São grandes impostores, ou então, traidores do Japão” [Osanai, 1929, p. 257, tradução minha]. Adiante, prossegue: “[...] Eu odeio. Eu odeio os estrangeiros. O Japão tem sua religião. Crer em uma religião estrangeira, é perder para o exterior” [Osanai, 1929, p. 257-258, tradução minha]. Desta forma, o monge é pintado com tintas nacionalistas e xenófobas, buscando a todo momento convencer Nobunaga, sem sucesso, a proibir a missão jesuíta e a fechar o Japão a tudo [e todos] que vem do exterior. Essa caracterização de Nichijō encontra respaldo nas descrições que Fróis deixou. O padre descreve o budista da seguinte forma:

 

 “Havia neste tempo hum bonzo no Goquinai, homem de baxa sorte e escuro sangue, pequeno de estatura e mui desprazível filosomia, idiota sem letras nem inteligência em as mesmas seitas de Japão, da maior sagacidade e vivo engenho que então o demônio podia achar para conspirar nelle seo veneno, mui solto e livre no falar, hum Demostenes na eloquencia de Japão [...] se fez soldado cometendo muitos insultos e morte[s] criminosas, e pelo temor e receio de taes delitos determinou mudar o habito mas não os costumes: vestio-se em pelle de ovelha e feito bonzo, andou peregrinando de reino em reyno. [...] como era membro do demônio e capital inimigo da ley de Deos, tinha hido a Nobunaga e lhe pedio com muita instancia que antes de S. A. se partir mandasse deitar o Padre fora do Miaco e desterrá-lo daqueles reinos, porque aonde estavão estes Padres tudo se revolvia e destruia  [...]”. [Fróis, 1981, p. 278-282]  


Outras características da descrição de Nichijō feita pelo padre cristão aparecem também na obra de Osanai. O caráter “idiota sem [...] inteligência” é evidenciado nas constantes exclamações que Nobunaga faz ao monge, uma vez que este era incapaz de enxergar os objetivos a longo prazo do militar por trás do convívio pacífico com os ocidentais. Assim sendo, termos como baka [tolo, bobo, idiota] [Osanai, 1929, p. 259]; chiisai ryōken [ideias pequenas, em tradução literal] [Osanai, 1929, p. 258]; atama no warui [burro, estúpido] [Osanai, 1929, p. 258] reforçam tipificações que vão ao encontro do ponto de vista deixado pelo jesuíta. Entretanto, outras características do monge como a eloquência e sagacidade não parecem transparecer na obra teatral. Afinal, falta a ele a capacidade de argumentação para a sustentação de um debate. 

Vejamos mais uma rápida comparação entre o relato de Fróis com a peça. Há, na descrição do debate com Nichijō feita pelo português, uma passagem em que são detalhados os argumentos dados pelo jesuíta sobre a existência da alma. Em determinado momento, é dito pelo padre:

 

“E a prova que ao prezente disto vos podia dar era necessário ser fundada nos termos e proposições das nossas sciencias a que chamamos logica e filozofia, porém como as vós ignorais, usaremos como de remédio para o entenderdes de alguma comparação que não vá muito alongada desta sensibilidade a que mostrais estar tão apegado” [Fróis, 1981, p. 288] 

 

A denúncia da ignorância “das nossas sciencias a que chamamos logica e filosofia” creditada a Fróis por si mesmo, passa, na peça, a Nobunaga. Momentos antes da entrada dos cristãos no palco, diz o militar ao monge budista:

 

“Aprender as ciências estrangeiras é agora a tarefa mais urgente. Penso até mesmo em construir uma escola com professores estrangeiros. Retórica, filosofia, lógica, filosofia – são coisas que você não entende, mas são todas ciências úteis” [Osanai, 1929, p. 260, tradução minha]

 

Ao transferir uma observação que supostamente seria de Fróis para Nobunaga, Osanai consegue, a um tempo, se apartar do texto do padre português sem deixar de corroborar outra imagem ali presente. Afinal, reforça tanto o traço limitado do raciocínio de Nichijō, ausente na descrição jesuíta, quanto enfatiza a característica estrategista com que pinta Nobunaga – que nesta comunicação não explorarei, mas também está presente em Fróis.

Tanto na peça quanto no relato do padre, a impossibilidade de competir com a retórica jesuíta faz Nichijō se “inflama[r] em fúria, tendo o rosto abrasado e os olhos encarniçados” [Fróis, 1981, p. 289]. Destaca-se, assim, a índole violenta do monge que tenta assassinar tanto o jesuíta quanto Wada Koremasa, o daimio benfeitor dos cristãos. Na Historia de Japam, a agressividade de Nichijō pode não chamar a atenção, afinal, é dito que antes de ser monge, ele teria sido soldado. No entanto, é interessante notar que, nos relatos em língua portuguesa sobre o Japão quinhentista, não é exclusividade de Asayama essa característica. Outros monges também apresentam o mesmo temperamento. Em Peregrinação, obra de Fernão Mendes Pinto [1509-1583] publicado postumamente em 1614, também há relatos e menções a debates com semelhantes ataques físicos por parte dos budistas. Não deixa de ser interessante notar como essa imagem presente em textos escritos no século XVI contrasta com a dos adeptos da “seita de Xaca” [Fróis, 1981, p. 280] nos séculos XIX, XX e, também, XXI. Afinal, desde a “febre” budista oitocentista, na qual parte da intelligentsia europeia usou a filosofia búdica para se repensar social e culturalmente [Cf. Borges; Braga, 2007], o Budismo, seus sacerdotes e seguidores foram vinculados a características como sabedoria, paciência, calma e placidez. Tipificações exatamente opostas a que vemos no monge de Osanai e nos relatos de Fróis e Mendes Pinto. Os lugares-comuns em torno dos budistas presentes na Europa oitocentista, na peça de 1926, surgem nos cristãos, que podem ser vistos como a contrapartida a Nichijō.

Luís Fróis, enquanto personagem, surge em cena já na segunda metade da peça. Este entra acompanhado de outras duas personagens: Lourenço Ryōsai, seu intérprete, e Wada Koremasa. Chama a atenção que, desde a aparição no palco até sua primeira fala, transcorre-se um significativo intervalo em que as outras personagens continuam seus debates. Assim, Fróis permanece mudo, interagindo apenas com pequenos gestos. Tal fato indica uma caracterização marcada pela quietude, calma e serenidade. As rubricas deixadas pelo dramaturgo evidenciam que silêncio e discrição são caracterizações pensadas para suas personagens cristãs. A entrada destas personagens vem com a seguinte indicação do dramaturgo: “Finalmente, Wada Koremasa, Lourenço Ryōsai e Luís Fróis entram silenciosamente” [Osanai, 1929, p. 263, tradução minha]. Em seguida, uma outra rubrica indica: “Fróis, retira seu chapéu e cumprimenta [Nobunaga]” [Osanai, 1929, p. 263, tradução minha]. Reforça-se, assim, o caráter plácido do padre, que recebe a permissão do militar para não se prender a tais formalidades. Mesmo quando o jesuíta interage durante o debate com o monge budista, são comuns as indicações dramatúrgicas com a expressão shizuka ni [quietamente, calmamente, pacificamente] [Osanai, 1929, p. 266, tradução minha]. É fato que a maior parte do debate com Nichijō é conduzido pelo intérprete Lourenço Ryōsai. Entretanto, a quietude de Fróis não se deve a limitações linguísticas, uma vez que o japonês convertido também é caracterizado pela “modéstia e quietação” [Fróis, 1981, p. 290], características presentes em Lourenço também no – evidentemente não isento – relato do padre quinhentista. Deste modo, na peça japonesa, há uma clara associação dos cristãos a características de sabedoria e pacifismo, enquanto a personagem budista possui uma visão limitada, intolerante e violenta. Não deixa de ser interessante pensar como, nas artes ocidentais, cristãos e budistas costumam aparecer com tipificações inversas. É importante ressaltar que não penso, no entanto, que as cores com que o dramaturgo pinta suas personagens indiquem uma valoração qualitativa para cada crença religiosa. Em outras palavras, não creio que Osanai esteja querendo dizer que o cristianismo seria uma religião mais meritória que o budismo ou que seus seguidores seriam melhores. Tal visão não me parece plausível ao pensarmos que o dramaturgo se converteu, mas depois abandonou a fé cristã, passando a seguir outras religiões. Osanai Kaoru foi um artista que buscou em outras culturas e pensamentos formas de ressignificar sua arte e sua vida. Assim sendo, o destaque almejado pelo artista pode ser justamente no diálogo e não em um dos lados da discussão. O próprio fato de se interessar por formas novas de espiritualidade ao invés de seguir aquelas que vinham de séculos parece apontar para uma valorização do hibridismo e do diálogo intercultural – fato central em Kirishitan Nobunaga – por parte do dramaturgo.  

Por fim, gostaria de levantar hipóteses acerca da razão pela qual Osanai decide resgatar este encontro do Quinhentos e adaptá-lo para os palcos japoneses em pleno século XX. Para além da possibilidade da clara discussão em torno da espiritualidade, conforme propõe Kumagai [2015], penso que o dramaturgo opta por recuperar o período sengoku por este poder ser visto em paralelo com os períodos Meiji e Taishō, vividos pelo escritor. Afinal, tanto o período sengoku quanto as eras Meiji e Taishō foram períodos marcados por guerras constantes e choques culturais entre um Japão “tradicional” e o Ocidente – no caso do século XVI, com portugueses e jesuítas; nos séculos XIX e XX, com os Estados Unidos, Inglaterra e outras nações europeias. Ainda, a cultura militar japonesa desses dois períodos foi diretamente influenciada por estes contatos com o mundo ocidental, uma vez que, no Quinhentos, as armas de fogo portuguesas ofereceram novos recursos para as guerras internas do Japão, enquanto a partir das últimas décadas do Oitocentos, a modernização do exército e das estratégias militares japonesas foram inspiradas nos modelos euro-americanos. Afinal, esta foi a forma que o governo japonês entendeu como caminho de sobrevivência em um momento que o imperialismo ocidental avançava sobre diversas nações asiáticas. Nas palavras de Iriye Akira [2008, p. 265, tradução minha]:

 

“Somente desenvolvendo-se por meio de expansão, acreditava-se, seria a nação japonesa capaz de emergir como uma potência na arena mundial e lidar com a forças expansionistas do Ocidente. Ao mesmo tempo, o expansionismo proporcionaria um novo objetivo nacional para o povo japonês”.

 

Assim, o Japão se espelhou na política euro-americana e se tornou um país imperialista, estabelecendo guerras contínuas em busca de zonas de influência no exterior por meio século, desde a Primeira Guerra Sino- Japonesa [1894-1895] até a Guerra do Pacífico [1941-1945], cujo desfecho é marcado pelas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Recordando que Osanai veio de uma formação pacifista, é possível pensar que, metaforicamente, o dramaturgo projeta na personagem Nobunaga – e seus desejos de que “[s]eu nome ecoe até no exterior” [Osanai, 1929, p. 260, tradução minha] – o pensamento do governo central de seu país. Em outras palavras, é possível levantar a hipótese de que, para Osanai, a política de Meiji e Taishō intentava executar os mesmos almejos que um dia foram de Nobunaga. Ao observarmos que os planos do militar de sengoku resultaram em traição e em sua morte em 1582, antes de levar a cabo seu projeto de unificação do território japonês, não poderíamos conjeturar que Osanai estaria vislumbrando o mesmo destino trágico ao Japão se continuasse em sua empreitada militarista e imperialista no XX? Os ataques a Hiroshima e Nagasaki, em 1945, parecem fazer com que esta peça possa ser lida também sob este viés de alerta, uma vez que confirmariam uma suposta previsão trágica feita pelo dramaturgo nipônico.

Há, por certo, ainda muito a explorar nesta obra e pretendo acrescentar algumas considerações às expostas neste trabalho em um texto futuro. Por ora, encerro minha comunicação com a esperança de que tenha fica claro que, sob muitos aspectos, Kirishitan Nobunaga traz em suas linhas pontos que nos levam a refletir e interpretar não só a história japonesa dos séculos XVI e XX, como também as relações entre Oriente e Ocidente. Assim, tanto a peça quanto o autor precisam ser mais conhecidos e estudados para além das fronteiras do arquipélago japonês.         

 

Referências

José Carvalho Vanzelli realiza pós-doutorado [Estudos Literários] na Universidade Federal do Paraná [UFPR]. É mestre e doutor em Letras [Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa] pela USP. Graduado em Letras [Português-Japonês] pela USP. Autor do livro Portugal e o Oriente: Antero de Quental – Camilo Castelo Branco – Eça de Queirós - Pinheiro Chagas [2021].

BORGES, Paulo; BRAGA, Duarte (Org.). O Buda e o Budismo no Ocidente e na Cultura Portuguesa. Lisboa: Ésquilo, 2007.

BOXER, C. R. The Christian Century in Japan. Berkeley e Los Angeles: University of California Press, 1951.

FRÓIS, Luís. Historia de Japam. v. 2. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1981.

IRIYE, Akira. “Japan's drive to great-power status” in Cambridge History of Japan, v. 5. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 721-782.

KATO, Shuichi. A History of Japanese Literature. v. 3. Londres: The Macmillan Press, 1983.

KUMAGAI, Tomoko. “Osanai Kaoru no shūkyō shinkō to sono jidai [A fé religiosa de Osanai Kaoru e seu tempo]” in Bungaku-bu bungaku kenkyūka gakujutsu kenkyū ronshū,  n. 5, 2015. p. 39-48.

KUMAGAI, Tomoko. “Osanai Kaoru ‘Daiichi no sekai’ ron - shūkyō shinkō to reishugi wo megutte [“Daiichi no sekai” de Osanai Kaoru: considerações em torno da fé religiosa e do espiritualismo]” in Engeki gakuron shu Nihon engeki gakkai kiyō. n. 62, 2016. p. 51-66.

OSANAI, Kaoru. Kirishitan Nobunaga. in Osanai Kaoru zenshū [Obras Completas de Osanai Kaoru]. v. 3. Tóquio: Shunyodo, 1929. p. 250-271.

5 comentários:

  1. Caro José: já tinha lido alguma coisa sobre o Padre Luís Frois, mas achei muito interessante a explicação acerca da adaptação ao teatro japonês. Isso me deixa um dúvida: qual é a recepção da documentação portuguesa do século XVI na historiografia japonesa? Os historiadores, e os meios culturais em geral, utilizam essa documentação?

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    1. Caro João, muito obrigado por sua leitura e pelo comentário.

      Quanto à sua pergunta, eu creio que a resposta é ao mesmo tempo sim e não. O acesso a boa parte dessa documentação portuguesa ainda hoje é um pouco limitado, uma vez há ainda muito a se explorar nas bibliotecas e centros de documentação de Portugal, Japão e Macau. Creio que esta obra do Luís Fróis seja o caso de maior sucesso em termos acessibilidade, mesmo para os falantes de língua portuguesa. Ainda assim, ela foi publicada em livro apenas na segunda metade do século XX. Partes dela foram traduzidas e publicadas em alemão em 1926. Já em português, é das décadas de 1960 para frente que foram lançados partes do livro ou, mais tarde, o texto integral. As traduções para o japonês que conheço dessa obra datam da mesma época, saindo volumes entre as décadas de 1960-80. Então, o acesso geral a esse material foi bem limitado até pouco tempo atrás, o que faz com que os historiadores não utilizem tanto a documentação portuguesa. Mas, há, por certo, nomes de estudiosos especialistas nesse período e nas relações luso-hispano-japonesas que fizeram trabalhos resgatando parte dessa documentação (e levando ela em consideração para pensar a história do Japão). Vale mencionar o nome de Matsuda Kiichi (1921-1997), que colaborou na tradução japonesa da obra (fora os vários artigos que ele tem sobre o período) e cujas anotações foram usadas na versão portuguesa do Historia de Japam.

      Menos receptivos à documentação portuguesa/católica foram vários historiadores de língua inglesa que, não raramente, ignoram esses documentos ou minimizam sua importância, considerando-os de pouca relevância por sua “visão catequeizadora”. Claro que não podemos perder de vista o fator linguístico. Boa parte desses historiadores especialistas em história do Japão não dominam o português/espanhol e, por isso, não se utilizam de fontes nessas línguas. De todo forma, exceção parece ser o citado Boxer, que conhecia português e, em meados do século XX, fez um trabalho não só de resgate mas de valorização do que estava nos textos jesuítas. Seja como for, a maior difusão dos estudos históricos em inglês acerca do Japão (e o posicionamento de alguns historiadores em relação aos documentos ibéricos/católicos) faz com as cartas de figuras como William Adams (o primeiro inglês que chegou no Japão em 1600 e pouco depois substituiu o padre português João Rodriguez como conselheiro de assuntos externos do xogunato Tokugawa) ganhe uma maior proeminência nos estudos históricos desse período do que os jesuítas (que produziam conhecimento acerca do Japão desde 1550, pelo menos).

      De toda forma, hoje em dia, acho que isso está mudando aos poucos, uma vez que já vi nos meios culturais em geral – animações, jogos de videogame, filmes – menções e referências ao texto de Fróis ou às cartas de padre Alessandro Valignano, por exemplo.

      Espero que tenha esclarecido a questão. Caso, ainda tenha mais alguma dúvida ou se quiser que volte em algum ponto que não ficou claro, sigo à disposição.

      Abraço,

      José

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  2. Texto interessante que aborda um período bem importante da História japonesa, o período Sengoku. Sobre a catequese cristã durante o século XVI, eu gostaria de saber se o cristianismo chegou a ter uma forte expressão na população ou se dirigiu as classes nobres?

    Afranio Junior de Melo Barros

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    1. Caro Afranio, agradeço muito a leitura e o comentário.

      Quanto à pergunta, de fato, um dos fatores do sucesso da difusão do cristianismo no Japão da época foi justamente ele ter sido focado e conseguido penetrar em uma parcela da população geral. Se tiveram, por certo, aqueles que se converteram forçados pelos daimio que haviam se tornado cristãos, teve também uma grande quantidade de populares que se converteram espontaneamente. Charles Boxer, que citei no texto (BOXER, 1951, pág. 78), traz os números (baseado na documentação do padre Gaspar Vilela) de um salto de 500 cristãos em 1554 para 30000 em 1571. Ele compara com as reclamações de Matteo Ricci na China da dinastia Ming, que dizia que apenas uma centena de chineses havia sido convertida em 15 anos de missão. Então, para a Companhia de Jesus, o Japão era um “caso de sucesso” em termos da evangelização. Mas, é importante dizer que essa população não estava espalhada de maneira uniforme por todo Japão. Estava concentrada na ilha de Kyushu (onde fica Nagasaki – que foi a sede dos jesuítas no Japão - e onde ficavam os territórios dos daimios cristãos), no oeste do arquipélago japonês. Também há relatos de alguns hibridismos, como populações que rezavam a uma imagem budista (muitas vezes de Kannon) como se fosse a Nossa Senhora, o que abre caminho para muitas reflexões em torno desse cristianismo no Japão (um exemplo disso pode ser visto no filme Chinmoku (Silêncio - 1971), de Masahiro Shinoda, adaptação do livro homônimo de Shusaku Endo. O livro de Endo é de 1966 e recebeu uma outra adaptação fílmica em 2016, por Martin Scorcese).

      Espero que tenha esclarecido a questão. Caso, ainda tenha mais alguma dúvida ou se quiser que volte em algum ponto que não ficou claro, sigo à disposição.

      Abraço,

      José

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