Emiliano Unzer

 JIGME NAMGYAL: O ARQUITETO DO REINO DO BUTÃO

 

A morte do líder Ngawang Namgyal (1594–1651), que depois ficou conhecido com o título de Zhabdrung em suas diversas reencarnações (ku tulku), assinalou o início das lutas pelo poder nas regiões ocidentais do Butão. As prolongadas contendas internas e guerra civil, caracterizado por intrigas, traições e assassinatos, trouxe crescentes pressões externas culminando na Guerra de Duar de 1864-65 que, por um tempo, ameaçou a própria sobrevivência da nação butanesa. Embora tenhamos notado que mais de quarenta Druk Desis [Expressão que pode ser traduzida por “Rei Dragão”, título nobiliárquico usado pelos monarcas do Reino do Butão.] reinaram continuamente ao longo do período, a estabilidade e o prestígio do governo central nunca foram nada perto do sistema de governança do primeiro Zhabdrung.

Todas as encarnações que o sucederam durante o período eram muito jovens ou careciam do carisma pessoal e do gênio político que ele comandava. Cada um deles se tornou presa fácil das maquinações de facções rivais, usando-os como meio em sua tentativa de obter o controle da teocracia. Observada no contexto dessas convulsões, a ascensão de Jigme Namgyal durante a Guerra do Duar e seus antecedentes imediatos foi talvez o evento mais importante da história butanesa desde o primeiro Zhabdrung. Seu surgimento como o líder incontestável de um país unido, mesmo que apenas durante a breve duração da guerra, foi certamente a razão mais provável para a sobrevivência do Butão no século 19 e posteriormente.

As origens de Jigme Namgyal remetem a uma das principais famílias da nobreza religiosa descendente de Pema Lingpa (1450 - 1521). Foi durante as guerras civis que assolaram o oeste do Butão, nos primeiros anos de 1800, que dois irmãos, Pala Gyeltshen e Pila Goenpo Wangyal, trouxeram fama e prestígio ao nome da família. Lutando ao lado de forças que apoiavam o Desi Druk Jigme Drakpa II (r. 1810 - 11), os irmãos, mais conhecidos como Pala e Pila, tornaram-se amplamente celebrados por sua bravura e feitos armados em batalha. Os conflitos cessaram brevemente em 1811, quando o Zhabdrung da época renunciou ao seu papel no conflito e retirou-se da cena política. Pila, o mais jovem dos irmãos, cansado e profundamente perturbado pela violência, pegou sua espada e voltou para casa em Dungkar, onde se casou com Sonam Pelzom, do vilarejo de Jangsa [Phuntsho, 2013, pp. 441-3].

Nascido em 1825, Jigme Namgyal foi o segundo dos seus três filhos e uma filha. Quando ele tinha cerca de quinze anos de idade, Jigme Namgyal começou a ter sonhos repetidos dizendo-lhe que ele deveria ir para o oeste em direção a Bumthang e Trongsa, onde ele encontraria seu verdadeiro destino. Acreditando que os sonhos eram uma profecia divina, ele decidiu sair de casa e ir para o oeste. Não se sabe se ele partiu com as bênçãos de sua família ou simplesmente partiu sozinho. Em qualquer caso, parece que ele viajou sozinho e com provisões adequadas para a viagem. Não há relatos de sua jornada a Dungkar e Trongsa, que dizem ter durado vários meses, até que ele foi parar no Vale Tang de Bumthang trabalhando como pastor na vila de Narut.

Depois de alguns meses em Tang, Jigme mudou-se para o vale de Chhume, onde conheceu uma pessoa que tinha aparecido em seus sonhos. O Buli Lama abençoou Jigme Namgyal, deu-lhe abrigo e organizou sua viagem para Trongsa. Lá, o lama providenciou para que ele fosse apresentado ao Trongsa Poelnop como um assistente. Nos primeiros anos em Trongsa, Jigme Namgyal foi aceito no serviço da fortaleza de Trongsa Dzong [construção típica dos reinos budistas do Himalaia, particularmente do Butão, que tem as funções simultâneas de centro religioso, militar, burocrático e administrativo de determinada região], e nomeado no nível mais baixo de servos como um Tozep [Nível mais baixo dos que serviam no Trongsa Dzong].

Os primeiros anos de sua vida no dzong devem ter contrastado totalmente com o de sua infância na família aristocrática Chhoeje. Seus deveres diários consistiam em trabalho duro, como buscar água e lenha, fazer recados, varrer pátios e assim por diante. Como um Tozep, ele teria direito a comida da cozinha comum do dzong junto com centenas de outros de categoria semelhante. Mas as diárias servidas ali estariam longe das expectativas de um jovem aristocrata. Embora o governante do dzong (poenlop) tenha reconhecido os antecedentes familiares de Jigme Namgyal, que os tornava parentes distantes, ele não poderia ter comprometido a disciplina do mosteiro ao mostrar favores especiais ou conceder privilégio.

Em 1843, enquanto Jigme Namgyal ainda era um mero tozep, Ugyen Phuntsho se aposentou e foi sucedido por Tshokye Dorji - outra família com conexões com a linhagem de Pema Lingpa [(1450-1521) foi uma figura santa butanesa e siddha da escola Nyingma do budismo tibetano.]. Diz-se que Tshokye havia aprendido anteriormente numa profecia religiosa que sua associação com um homem chamado “Jigme” das regiões leste seria benéfica para todo o país. Talvez tenha sido por esse motivo, que Jigme Namgyal ficou sob a atenção pessoal e próxima do poenlop e começou sua rápida ascensão na hierarquia. No primeiro ano do governo do novo poenlop, Jigme Namgyal foi promovido como um zinggup (atendente). Logo após três anos, ocupou os cargos conjuntos de zimmang (camareiro júnior) e darpoen (chefe dos atendentes) e foi depois promovido ao prestigioso posto de trongsa tshongpoen, encarregado da província para os negócios com as regiões tibetanas [Phuntsho, 2013, p. 445]. Com esse influente cargo, Jigme Namgyal viajou extensivamente pelo Tibete, onde suas negociações com as autoridades tibetanas ampliaram suas dimensões ao seu treinamento e experiência em assuntos judiciais. Foi também durante esse período que ele conheceu sua futura esposa, Pema Choeki, a filha mais nova do ex-poenlop, que estava no Mosteiro Lhalung do Tibete com seu irmão, sendo ele considerado uma encarnação (ku tulku) de Pema Lingpa.

Aos 24 anos em 1849, Jigme Namgyal ascendeu ao importante posto de trongsa zimpoen (camareiro do governador, o trongsa), uma posição que indicava a confiança que sua lealdade e excelente serviço tinha ganhado. Entre os muitos episódios em que Jigme provou sua coragem e lealdade, um incidente em Punakha provou ser o mais importante. Sua primeira missão foi liderar um grande contingente de trabalhadores de sua trongsa para ajudar na restauração da fortaleza-mosteiro de Punakha Dzong, que havia queimado num grande incêndio naquele ano. Ele passou quase o ano inteiro em Punakha supervisionando os trabalhadores. Em 1850, o trongsa poenlop (governador provincial) também chegou a Punakha, onde imediatamente se tornou alvo de conspirações de assassinato. Ficou sabendo que o Trongsa Poenlop, instigado por seu jovem camareiro, nutria ambições de consolidar seu poder nas regiões do leste e se afirmar de forma mais assertiva no oeste butanês.

Um forte trongsa poenlop, como visto nas guerras civis no início do século 19, sempre foi uma ameaça aos centros de poder no oeste do Butão. É, pois, compreensível que as autoridades centrais preferissem que tais ameaças fossem logo suprimidas. No entanto, Jigme Namgyal, um observador atento das intrigas políticas prevalecentes no oeste do Butão, facilmente percebeu a conspiração e permaneceu alerta e vigilante. De acordo com uma tradição, ele nunca tirou sua espada nem dormiu numa cama durante toda a estadia do governador em Punakha. No momento crucial em que os assassinos deveriam atacar, Jigme teria entrado em cena e efetuado um resgate dramático do abalado poenlop que já estava cercado e indefeso. Por essa demonstração de coragem e lealdade, Jigme Namgyal foi imediatamente recompensado com o posto adicional de lhuntse dzongpoen (governador do dzong). Quando eles voltaram para sua sede de governo, o grato poenlop prometeu a Jigme o cargo de trongsa poenlop quando chegasse a hora adequada.

No mesmo ano, em 1850, soube-se que os governadores dos dzongs de Zhongar, Trashigang, Trashiyangtse e o Gyadrung de Dungsam planejavam uma revolta contra a região central butanesa de Trongsa [Região central do Butão onde a família Wangchuck governava o distrito como descendentes de Dungkar Choji (1587 - ?). Futuramente, a partir de 1904, essa família irá ser a dinastia real sobre todo o reino unificado]. A rebelião foi secretamente apoiada pelo governo central de Punakha. Mobilizando suas tropas perto de Mongar, os rebeldes se prepararam para marchar para Trongsa com apoio militar que deveria vir do oeste do Butão. Nesse meio tempo, Jigme Namgyal foi promovido a trongsa droenyer (convidado-mestre de Trongsa) e enviado ao comando de uma grande força de tropas de Mangde, Bumthang, Lhuntse e Zhemgang. Numa grande batalha que ocorreu perto de Lingmithang, em Zhongar, o exército de Trongsa derrotou as forças rebeldes combinadas. Durante o inverno de 1850, Jigme liderou ofensivas perseguindo o inimigo por todo o leste do Butão. Os dzongs de Zhongar, Trashigang, Dungsa e Trashiyangtse caíram e todos os dzongpoens inimigos foram feitos prisioneiros. Até então, a jurisdição efetiva do trongsa poenlop era apenas sobre os quatro distritos de Mangde, Zhemgang, Bumthang e Lhuntse; seu domínio sobre as regiões orientais era tênue. Assim, a primeira expedição militar de Jigme Namgyal não foi apenas bem-sucedida, mas um evento importante a fortalecer significativamente a base de poder de Trongsa no futuro.

No ano seguinte, em 1851, os problemas começaram no oeste do Butão quando o 38º Druk Desi reinante foi morto e o ambicioso Wangdue Phodrang Dzongpoen, Chakpa Sangay, planejou assumir o trono para si. Sua ambição, no entanto, foi imperdida quando o mais alto comitê de monges butaneses rejeitou sua candidatura. Enquanto isso, os apoiadores de Zhabdrung Jigme Norbu (1831-1861) o instalaram em Thimphu como 39º Druk Desi. O Zhabdrung, entretanto, contraiu varíola e teve que abdicar logo depois. Assim, Chakpa Sangay acabou no final assumindo o trono e foi instalado como o 40º Desi em Punakha [Antigo distrito na região central ocidental do Butão. O distrito tinha em seus limites a antiga capital butanesa até ela se mudar para Timphu (Timbu) em 1955]. Mas isso provocou protestos de muitos monges, assim como apoiadores do Zhabdrung anterior recorreram a Trongsa para obter ajuda armada contra o usurpador. A virada do evento, portanto, apresentou uma oportunidade ideal para o Trongsa Poenlop intervir no oeste do Butão.

Satisfeito com o sucesso de suas recentes campanhas, Jigme Namgyal se viu mais uma vez liderando as tropas de Trongsa, desta vez contra o governo em Punakha. Quando ele chegou na região, foi descoberto que o Desi havia mudado sua base para Norbugang. Jigme evitou atacar o Punakha Dzon [“Palácio da Eterna Felicidade”, nome dado a uma das fortalezas e mosteiros mais importantes do Butão, construída no século 17, e serviu de sede administrativa central do país até 1955], mas, numa escaramuça que ocorreu perto de Norbugang, ele matou Mikthoem, famoso e temido guerreiro da região. Depois disso Jigme Namgyal e suas tropas recuaram para Trongsa, deixando o 40º Desi ainda no trono. O reinado deste, contudo, durou pouco pois foi vítima de uma conspiração de assassinato em 1852. A fama de Jingme Nmagyal a partir daquele momento espalhou-se pelas regiões butanesas. E mais significativamente, Jingme acumulou experiência em campo e ampliou seus contatos nas regiões ocidentais butanesas e tibetanas.

Em 1853, Jingme Namgyal conseguiu enfim ser nomeado com o influente cargo de trongsa poenlop. Com essa nova posição, Jingme tinha sob seu poder amplas regiões a ser comandada para dirigir-se contra os rebeldes no oeste butanês. Ano seguinte, Jingme interveio diplomaticamente numa disputa em Thimphu envolvendo as disputas pelo trono do Druk Desi. Eventualmente, haveria de ascender o 41º Druk Desi, Jamtul Jamyang Tenzin. Isso foi um grande trunfo para Jingme, ampliando sua influência política. Em agradecimento, o novo Druk Desi concedeu mais autonomia administrativa nas regiões controladas por Jingme, e a de nomear governadores de dzongs nas regiões leste da fortaleza de Trongsa Dzong. Efetivamente, essas medidas tornaram o trongsa poenlop hegemônico nas regiões centrais e leste do Butão em meados do século 19.

Quando o 41º Druk Desi morreu em 1857, a velha rixa entre os governantes de Thimphu e Wangdue Phodrang ressurgiu e, mais uma vez, exigiu o envolvimento do trongsa poenlop, Jngme Namgyal. Como desafio, o governante de Wangdue Phodrang resolveu tomar o controle de Punakha. Diante disso, Jingme aliou-se ao governante de Thimphu, nomeando-o como o novo Druk Desi, apenas para ser morto no mesmo ano por homens ligados ao seu governante rival.

De volta a Trongsa, Jingme decidiu manter-se no poder como governante do dzong, desrespeitando a acordado anterior de que sairia do cargo depois de três anos a favor do filho do poenlop local, Jakar. Assim, em 1857, as lutas pelo poder foram iniciadas em Trongsa, com as batalhas mais decisivas ocorrendo em Shamkar. O lado de Jakar parece ter sido vitorioso nos primeiros momentos, fortalecido pelo apoio recebido pelo Druk Desi em Punakha. Depois de impasses e negociações de paz, ficou decidido que Jakar receberia o controle de alguns dzongs orientais de Trongsa.

Embora o resultado tenha sido um impasse no final das contas, Jigme Namgyal emergiu fortalecido, tendo se estabelecido como o indiscutível trongsa poenlop. Com o acordo de paz com Jakar, Jigme Namgyal voltou sua atenção mais uma vez para as regiões no oeste. Ansioso por reafirmar sua presença, Jigme Namgyal liderou as forças combinadas de Trongsa e Jakar contra os rebeldes do Druk Desi, sofrendo esses em 1863, uma derrota esmagadora em Lungtenphu, em Thimphu. Como havia se aliado anteriormente a Jigme e a Jakar, o governante de Thimphu (Thimphu Dzongpoen), foi nomeado e instalado como o novo Druk Desi e um parente próximo de Jigme Namgyal tornou-se o novo Thimphu Dzongpoen. Jingme como o Trongsa Poenlop em 1864, ele também ganhou controle total sobre a nomeação não apenas das fortalezas-mosteiros do Butão ocidental, mas também do Druk Desi também. Com efeito, Jigme Namgyal tornou a sua posição, de Trongsa Poenlop, como a mais importante efetivamente do país.

A partir desse momento os britânicos advindos das terras indianas começam a influenciar os eventos no Butão. Ashley Eden abriu caminho para Punakha liderando uma missão britânica em 1864, e na ocasião descobriu que Jingme Namgyal, o Trongs Poenlop. era o principal negociador em nome do governo. Para Jigme, a missão era suspeita. Ele viu que a proposta britânica de estacionar uma missão residente em Punakha e abrir o Butão ao livre comércio nada mais era do que um convite à dominação britânica. Ele rejeitou o projeto de tratado trazido pelos britânicos, insistindo que ele apenas desejava discutir o retorno dos Duars de Assam ao Butão - uma questão que Ashley Eden afirmou não ser negociável. As negociações foram interrompidas e a missão britânica foi insultada e humilhada.

Jigme Namgyal estava ciente das consequências de sua ação. Ele também sabia que os britânicos tinham planos de longo prazo para o Butão e que, mais cedo ou mais tarde, haveria uma guerra fatídica. Mas Jingme presumiu que os britânicos, tendo sofrido uma revolta por nos eventos das revoltas indianas em 1857, não se aventurariam imediatamente em novas conquistas estrangeiras. Assim, depois de mais negociações fracassadas, Ashley Eden voltou a relatar o fracasso de seu objetivo em 12 de novembro de 1864, e assim os britânicos declararam guerra ao Butão, anexando por proclamação toda a Bengala e Assam, regiões adjacentes ao Butão. A guerra que se seguiu refletiu a superioridade bélica dos britânicos. Em 11 de novembro de 1865, foi assinado o Tratado de Sinchula, rendendo todos os duars – as regiões fluviais férteis na região nordeste da Índia no sopé da Cordilheira do Himalaia - de Assam e Bengala e concordando com o livre comércio com a Índia britânica em troca de um subsídio anual de 50 mil rúpias [Aris, 1980, pp. 264-5].

Para Jigme Namgyal, a derrota na guerra não significou desgraça. Na verdade, ele saiu ainda mais forte disso. Ele se levantou contra as demandas feitas pela missão britânica e inspirou as facções rivais no país a deixarem de lado suas querelas e se unirem contra um inimigo externo comum. Jingme, nesse sentido, tornou-se no principal estrategista militar que coordenou as contraofensivas que surpreenderam os britânicos. A mais famosa de suas vitórias ocorreu em Deothang em 27 de janeiro de 1865. No primeiro confronto, o lado butanês perdeu Jakar e a maioria de suas tropas. Jigme Namgyal retirou-se e retomou o ataque com maior força e derrotou a coluna britânica. Ele infligiu pesadas baixas ao inimigo, fez centenas de prisioneiros e capturou dois canhões britânicos. Ataques semelhantes, todos coordenados centralmente por Jigme Namgyal, foram lançados ao longo da fronteira e demorou um mês até que os britânicos pudessem se recuperar. O Tratado de Sinchula assinado pelo governo butanês foi condicionado ao retorno seguro dos prisioneiros britânicos e de dois canhões. Jigme Namgyal, entretanto, recusou-se a aceitar esses termos [ Phuntshop, 2013, pp. 459-467].

Tendo feito isso, Jigme Namgyal cedeu quando os britânicos começaram a marchar em direção a Trongsa, ameaçando anexar todo o país. Ele encontrou a coluna britânica que avançava perto de Yongla Goenpa e devolveu todos os prisioneiros e os dois canhões. Os britânicos se retiraram e a paz entre o Butão e os britânicos prevaleceu até 1947, quando a Índia se tornou independente. Jigme Namgyal ascendeu ao trono como o novo Druk Desi com a conclusão da chamada Guerra de Duar, após alguns anos, em 1870.

Um ano antes, em 1869, contudo, ainda houve sérias ameaças na estabilidade do poder no Butão. O governante de Wangdue Phodrang tinha se aliado contra o regente de Punakha que, por sua vez, tinha buscado o apoio de Jingme. O cenário foi perfeito para uma nova intervenção estrangeira, com os britânicos e chineses no Tibete. Jigme passou a agir com rapidez a evitar maiores desdobramento das rivalidades. Ele atacou as forças rebeldes combinadas guarnecidas no dzong de Wangdue Phodrang. Ao final de 1869, vemos os líderes rebeldes clamando por paz, mas foram sumariamente executados. Estava assim consolidada a autoridade butanesa a partir de então. O período de Jingme como Druk Desi durou até 1873, quando ele se aposentou e foi sucedido por um primo-irmão, Kitshelp Dorji Namgyal, como o novo Druk Desi.

Haveria ainda um segundo período como o Druk Desi na vida de Jingme Namgyal. Isso ocorreu devido a ressurgência de rivalidades nas revoltas em 1877, sob o novo governante (poenlop) de Paro. Jingme ao final soube reprimir e impor a autoridade na região, conquistando o controle do dzong. Por volta da mesma época, outra rebelião irrompeu no leste butanês, em que um parente do poenlop de Paro se articulou para entronizar um rival Desi, o jovem Choglye Yeshe Nguedrup. Isso foi inaceitável aos olhos de Jingme, pois contrariava a tradição butanesa de consulta aos governantes, regentes e monges sênior das terras butanesas. As revoltas foram em momento derradeiro derrotadas após a batalha em Lobesa. O poenlop de Paro conseguiu fugir para a Índia. Logo depois, Jingme reconquistou o dzong de Punakha das mãos de rebeldes remanescentes em 1878. Esse foi o último empreendimento militar de Jingme Namgyal.

Jigme Namgyal então começou a colocar seus parentes de confiança e aliados próximos em posições-chave. Seu filho mais velho, Thinley Tobgye, que estava no mosteiro Lhalung, no Tibete, foi nomeado como o governante do dzong de Wangdue Phodrang. Outro filho seu, Ugyen Wangchuck foi instalado como o poenlop de Paro. E Phuntsho Dorji, seu filho adotivo, tornou-se o Zhung Droenyer (chefe de protocolo), enquanto Lam Tshewang, seu leal e comprovado apoiador, permaneceu como o governante do dzong de Thimphu.

No inverno de 1881, depois de ocupar por um ano o cargo de Desi, terceiro mandato, ao retornar de uma visita a Punakha, Jigme Namgyal caiu de seu iaque em Hongtsho perto de Dochula e ficou gravemente ferido. Ele foi levado para o dzong de Simtokha, onde logo morreu devido aos ferimentos.


Conclusão

Jigme Namgyal foi certamente a maior figura nacional a surgir no Butão depois de Zhabdrung Ngawang Namgyal. A contribuição mais importante de Desi Jigme Namgyal foi a instauração da paz, através de uma redução das rivalidades locais entre as lideranças locais, unificando gradualmente o Estado ao longo de três décadas, dos anos de 1850 a 1870. A redução dos conflitos internos, especialmente depois de 1878, permitiu lançar os alicerces da monarquia que, por sua vez, trouxe uma era de ordem consolidada no Butão. Mais do que qualquer outro fator, foi a liderança de Jigme Namgyal na guerra e a consolidação da autoridade central e do poder político em suas próprias mãos que lançou as bases de uma nação butanesa unida.

Em termos de relações externas, especialmente com a Índia britânica, Jigme Namgyal deixou um centro de poder butanês que tornou possível a revisão construtiva dos tratados e a melhoria das relações internacionais ao longo do tempo. O seu filho, o primeiro rei do Butão, Ugyen Wangchuck, cumpriu esse papel mais tarde [Rahul, 1997, pp. 8-14]. Após o reinado de Jigme Namgyal, as relações externas foram conduzidas de forma sistemática e coordenada, porque a fragmentação do poder no Butão foi concluída. O Tratado de Sinchula, 1865, que remontava ao tempo de Jigme Namgyal, tornou-se o instrumento jurídico bilateral crucial, orientador entre o Butão e a Índia Britânica e, mais tarde, a Índia Independente. O tratado foi depois atualizado e revisto em 1910, 1949 e 2007.

Jigme Namgyel deixou não somente sua marca na política, mas também nas artes e arquitetura. Restaurou o dzong de Tongsa, e construiu nele o templo Sangwa Duepa. Fundou o Palácio Wangducholing, no vale de Choekhor, em 1856. Esse palácio serviu como residência principal da Família Real desde a época de Jigme Namgyal até à do Príncipe Herdeiro Jigme Dorji Wangchuck (r. 1929-1972). Foi o epicentro político do país durante mais de um século, desde finais da década de 1850 até ao início da década de 1950.

 

Referências

Emiliano Unzer Macedo é professor associado de História da Ásia do departamento de História da Ufes.

Mail: prof_emil@hotmail.com

Instagram: https://www.instagram.com/historiadaasia/

Canal no Youtube: www.youtube.com/emilunzer

 

ARIS, Michael. Bhutan. Aris & Phillips, 1980.

PHUNTSHO, Karma. The History of Bhutan. Random House India, 2013.

RAHUL, Ram. Royal Bhutan: A Political History. Vikas Publishing House, 1997.

9 comentários:

  1. Caro Prof. Emiliano,
    é sempre uma grande satisfação contar com sua presença em nosso evento!
    Eu gostaria de saber o seguinte: há um jogo de influências, ou a participação de potências imperiais nas disputas internas do Butão, principalmente por parte de Reino Unido, Rússia e China? Saudações,
    André Bueno

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  2. Prezado e estimado Prof. André Bueno,

    Sempre um grande prazer e honra.




    Bom, vou começar pelas relações em geral do reino do Butão com a Índia, e depois isso terá implicações com o Tibete e China. E depois passarei a considerar as relações com os britânicos em termos históricos, e outros países e organismos internacionais.

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    As relações bilaterais entre a Índia e o Butão basearam-se no Tratado de 1949, que prevê, entre outros, “paz perpétua e amizade, livre comércio e comércio e justiça igual para os cidadãos uns dos outros.”

    O artigo 2 do Tratado, em princípio, prevê que o Butão busque aconselhamento externo indiano, desde que a Índia não interfira nos assuntos internos do Butão.

    A geopolítica de toda a região do Himalaia e o subcontinente indiano sofreu grande mudança após a Proclamação da República Popular da China em 1949 e a ocupação do Tibete pelo Exército de Libertação do Povo em 1950.

    Esses eventos, mais a presença de tropas chinesas perto da fronteira do Butão, a anexação dos enclaves do Butão no Tibete e reivindicações chinesas levaram o Butão a reavaliar sua política tradicional de isolamento; a necessidade de desenvolver suas linhas de comunicação com a Índia tornou-se uma necessidade urgente.

    Consequentemente, o Butão estava mais inclinado a desenvolver relações com a Índia, e o processo do desenvolvimento socioeconômico começou com tratados de assistência. Para a própria Índia, houve a preocupação do fator segurança, a estabilidade dos estados do Himalaia dentro de seu interesse estratégico.


    Com as tensões na fronteira entre a Índia e a China se transformando num conflito militar em 1962, a Índia não podia permitir que o Butão fosse um mero estado-tampão.

    As relações indo-butanesas começaram a tomar forma concreta após as visitas de Estado feitas pelo terceiro rei, Jigme Dorji Wangchuck à Índia, e pelo Primeiro Ministro Jawaharlal Nehru ao Butão entre 1954 e 1961. Além de enfatizar o reconhecimento da independência do Butão pela Índia e soberania em sua declaração pública em Paro, a visita de Nehru em 1958 também foi significativa do ponto de vista das discussões iniciadas para o desenvolvimento e a cooperação em várias esferas entre os dois países.

    Relações bilaterais formais entre o Butão e a Índia foram estabelecidas em janeiro de 1968
    com a nomeação de um oficial especial do Governo da Índia para o Butão. A “India House” (Embaixada da Índia no Butão) foi inaugurada em 14 de maio de 1968 e residentes foram trocados em 1971.

    As relações em nível de embaixada começaram com o upgrade de residentes para embaixadas em 1978. O Butão começou gradualmente a diversificar suas relações com a comunidade internacional, projetando assim o seu estatuto de entidade independente e nação soberana.

    A Índia apoiou o pedido de adesão do Butão à ONU em 1971, demonstrando o respeito das duas nações ao que foi assinado no Tratado de 1949, no seu artigo 2: “paz perpétua e amizade, livre comércio e comércio e justiça igual para os cidadãos uns dos outros”.

    (continua...)

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  3. Agora as relações com a China. O que nos remete inevitavelmente às históricas relações com o Tibete.

    O Butão há muito tem fortes conexões culturais, históricas, religiosas e econômicas com o Tibete. As relações com o Tibete ficaram tensas quando a China assumiu o controle do Tibete na década de 1950. Ao contrário do Tibete, o Butão não tinha história de estar sob a suserania da China nem de estar sob a suserania britânica durante o Raj britânico.

    A fronteira do Butão com o Tibete nunca foi oficialmente reconhecida, muito menos demarcada. A República da China mantém oficialmente uma reivindicação territorial em partes do Butão até hoje. A reivindicação territorial foi mantida pela República Popular da China depois que o Partido Comunista Chinês assumiu o controle da China continental na Guerra Civil Chinesa. Com o aumento de soldados no lado chinês da fronteira sino-butanesa após o acordo de 17 pontos entre o governo tibetano e o governo central da RPC, o Butão retirou seu representante de Lhasa.

    A revolta tibetana de 1959 e a chegada do 14º Dalai Lama à vizinha Índia tornaram a segurança da fronteira do Butão com a China uma necessidade para o Butão. Estima-se que 6.000 tibetanos fugiram para o Butão e receberam asilo, embora o Butão posteriormente tenha fechado sua fronteira com a China, temendo mais refugiados.

    O Butão não tem laços diplomáticos formais com a China nos dias atuais, mas as trocas de visitas em vários níveis entre os dois países aumentaram significativamente nos últimos tempos. O primeiro acordo bilateral entre a China e o Butão foi assinado em 1998 e o Butão também criou consulados honorários nas Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e Macau.


    --

    Os interesses britânicos no Butão remetem ao contexto da Índia Britânica no século 19 e início do 20.

    Por cinco meses, entre 1864 e 1865, o Butão e a Índia Britânica se envolveram na Guerra do Duar, que o Butão perdeu. Como resultado, o Butão perdeu parte de seu território soberano, acompanhado pela cessão forçada de territórios anteriormente ocupados. Nos termos do Tratado de Sinchula, assinado em 11 de novembro de 1865, o Butão cedeu territórios nos Duars de Assam e de Bengala, bem como no território de 83 quilômetros quadrados de Dewangiri no sudeste do Butão, em troca de um subsídio anual de 50.000 rúpias.

    Outro marco histórico das relações entre o reino butanês e os britânicos na Índia se deu com a assinatura do Tratado de Punakha. Esse foi um acordo assinado em 8 de janeiro de 1910, em Punakha Dzong, entre o recém-consolidado Reino do Butão e a Índia Britânica. O Tratado de Punakha não é um documento independente, mas representa uma modificação do Tratado de Sinchula de 1865. Como tal, o Tratado de Punakha é uma emenda cujo texto incorpora todos os outros aspectos do Tratado de Sinchula.

    Sob o Tratado de Punakha, a Grã-Bretanha garantiu a independência do Butão, concedeu ao governo real do Butão um estipêndio maior e assumiu o controle das relações exteriores do Butão. Embora este tratado tenha iniciado a prática de delegar as relações exteriores do Butão a outro suserano, o tratado também afirmou a independência do Butão como um dos poucos reinos asiáticos nunca conquistados por uma potência regional ou colonial.

    (continua ...)

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  4. --

    Com relação aos outros países.

    As relações com o Nepal permaneceram tensas devido aos refugiados butaneses. O Butão aderiu às Nações Unidas em 1971. Foi o primeiro país a reconhecer a independência de Bangladesh em 1971. Tornou-se membro fundador da Associação do Sul da Ásia para Cooperação Regional (SAARC) em 1985. O país é membro de 150 organizações internacionais, incluindo a Iniciativa da Baía de Bengala, BBIN, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e o Grupo dos 77.

    O Butão tem relações calorosas com o Japão, que fornece ajuda significativa ao desenvolvimento. A família real do Butão foi hospedada pela família imperial japonesa durante uma visita de estado em 2011. O Japão também está ajudando o Butão a lidar com as enchentes glaciais por meio do desenvolvimento de um sistema de alerta precoce. O Butão tem fortes relações políticas e diplomáticas com Bangladesh. O rei do Butão foi o convidado de honra durante as comemorações do 40º aniversário da independência de Bangladesh. Uma declaração conjunta de 2014 pelos primeiros-ministros de ambos os países anunciou cooperação nas áreas de energia hidrelétrica, gestão de rios e mitigação das mudanças climáticas. Bangladesh e Butão assinaram um acordo comercial preferencial em 2020 com disposições para o livre comércio.

    Com relação ao governo russo, o Butão se opôs à anexação russa da Crimeia na Resolução 68/262 da Assembleia Geral das Nações Unidas. Antes disso, houve algumas demonstrações de amizade e cooperação na esfera cultural. O início das relações bilaterais entre o Reino do Butão e a Federação Russa foi lançado em novembro de 2011. Uma exposição sobre o budismo na Rússia ocorreu de novembro a dezembro de 2011, no Centro Cultural Nehru-Wangchuck na Embaixada da Índia em Timbu, Butão.

    O Butão tem relações diplomáticas com 53 países e a União Europeia e tem missões na Índia, Bangladesh, Tailândia, Kuwait e Bélgica. Tem duas missões da ONU, uma em Nova York e outra em Genebra. Apenas Índia, Bangladesh e Kuwait têm embaixadas residenciais no Butão. Outros países mantêm contato diplomático informal por meio de suas embaixadas em Nova Delhi e Daca. O Butão mantém relações diplomáticas formais com vários países asiáticos e europeus, Canadá e Brasil. Outros países, como os Estados Unidos e o Reino Unido, não têm relações diplomáticas formais com o Butão, mas mantêm contato informal por meio de suas respectivas embaixadas em Nova Delhi e com os Estados Unidos por meio da missão permanente do Butão nas Nações Unidas. O Reino Unido tem um cônsul honorário residente em Timbu. O último país com o qual o Butão estabeleceu relações diplomáticas foi Israel, em 12 de dezembro de 2020.


    --

    Abraços e cordialmente,

    Emiliano Unzer

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    Respostas
    1. Caro Emiliano,
      fico admirado com o seu domínio do tema, aprendi muito com o texto e com a resposta! =D
      grande abraço, e obrigado por estar conosco!
      André Bueno

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  5. Um prazer ler seu texto, Emiliano. Admiro muito o Butão, e você me esclaceu muito sobre a história recente desse país.

    Perguntas:
    1. Pode explicar mais sobre o papel do budismo na política butanesa do período descrito?
    2. Sobre o uso do termo "teocracia", sempre tive dúvidas sobre sua aplicação à casos de países de maioria budista envolvidas na política, dado que o budismo é não-teísta; por isso, poderia colocar sua posição sobre os alcances e limites do conceito de teocracia para casos de estados de forte presença budista?

    Obrigado
    Matheus Oliva da Costa

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  6. Prezado Matheus,

    Obrigado pelas gentis palavras. Butão certamente guarda sua história fascinante a ser debatido ainda no meio acadêmico, indo muito além de questões espirituais e esotéricas.


    O budismo cedo se estabeleceu nas terras butanesas e região, tornando-se um meio de organização e legitimação das estruturas sociais e de poder. Veio principalmente do Tibete e da Índia, em várias sucessões.


    A introdução do budismo nas terras butanesas ocorreu no século 7 d.C., quando o rei tibetano Srongtsen Gampo (reinou 627-49 d.C.), um convertido ao budismo, ordenou a construção de dois templos budistas, em Bumthang, no centro do Butão, e em Kyichu, no Vale do Paro. O budismo substituiu, mas não eliminou, as práticas religiosas Bon que também prevaleceram no Tibete até o final do século 6. Em vez disso, o budismo absorveu Bon e seus crentes. À medida que o país se desenvolveu em seus muitos vales férteis, o budismo amadureceu e se tornou um elemento unificador. Foi a literatura budista e as crônicas que iniciaram a história registrada do Butão.

    Em 747 d.C., um santo budista, Padmasambhava (conhecido no Butão como Guru Rimpoche e às vezes referido como o Segundo Buda), veio da Índia para o Butão a convite de um dos numerosos reis locais. Depois de supostamente subjugar oito classes de demônios e converter o rei, Guru Rimpoche mudou-se para o Tibete. Ao retornar do Tibete, ele supervisionou a construção de novos mosteiros no Vale do Paro e montou sua sede em Bumthang. Segundo a tradição, ele fundou a seita Nyingmapa - também conhecida como "velha seita" ou “Chapéus Vermelhos”- do budismo maaiano, que se tornou por um tempo a religião dominante do Butão.

    Guru Rimpoche desempenhou um grande papel histórico e religioso como o santo padroeiro nacional que revelou os tantras - manuais descrevendo formas de devoção à energia natural - ao Butão. Após a permanência do guru, a influência indiana desempenhou um papel temporário até que o aumento das migrações tibetanas trouxe novas contribuições culturais e religiosas.

    Não houve governo central durante esse período. Em vez disso, pequenas reinos independentes começaram a se desenvolver no início do século 9. Cada um era governado por um deb (rei), alguns dos quais reivindicavam origens divinas. O reino de Bumthang era o mais proeminente entre essas pequenas entidades. Ao mesmo tempo, monges budistas tibetanos (“lam” em dzongkha, a língua nacional oficial do Butão) haviam enraizado sua religião e cultura no país, e membros de expedições militares tibeto-mongol conjuntas se estabeleceram nos vales férteis. No século 11, quase todo o Butão foi ocupado por forças militares tibeto-mongóis.

    (continua...)

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  7. —-

    Sobre o conceito de teocracia e budismo. Nunca tinha refletido sobre isso. Se considerarmos a teocracia como poder constituído com base em classes e estrutura religiosa, certamente o Butão e Tibete, tiveram esse regime. Mas se considerarmos além disso, vejo casos de intolerância política e religiosa endossadas por regimes budistas, como certas ocasiões na história do Tibete na época do 5o. Dalai Lama, a disputar sobre as escolas rivais, ou em certos momentos da história do Sri Lanka, ilha que conheceu momentos de perseguições contra minorias não-budistas e não-cingalesas, como os tâmeis. Nesse caso, poderia ser mais um caso de Estado etnocêntrico, conforme defende o excelente livro de Mahinda Deegalle, “Buddhism, Conflict and Violence in Modern Sri Lanka”.

    Ou de certos monges budistas no atual Mianmar que defendem a expulsão e morte dos muçulmanos Rohingyas, como o Wirathu. E como o novo rei tailandês atual, Chulalongkorn, endossa uma política budista muito mais intolerante que remete às ideias do monge Phra Kittiwuttho da década de 1970. Ainda permanece mal-resolvido na Tailândia a discriminação contra muitos muçulmanos advindos das províncias do sul tailandês, de Songkhla, Pattani, Yala e Narathiwat. Nesses locais há uma série de raptos e casos de conflitos pela separação da região a se juntar ao governo malaio mais ao sul.

    Na história da Mongólia, que tinha absorvido o budismo lamaísta há séculos, tentou estabelecer um regime em torno da figura de Bogd Khan, sendo este o mais alto lama da Mongólia. Esse regime perdurou de 1911 a 1919 e uma breve restauração entre 1921 e 1924.

    Enfim, como todas as religiões, o budismo não escapa de se associar a casos de perseguições e mortes. Mas hoje não vejo um regime teocrática strictu sensu.

    Sei bem que não respondi diretamente, mas queria trazer essas reflexões, estimularas pelas suas questões. Essas digressões são um deleite para nós acadêmicos…


    Abraços, meu caro.

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  8. Muito obrigado! Esclareceu bastante.

    Sinto que ainda vamos conversar mais. Abraços

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