Carmen Lícia Palazzo

OS RELATOS DOS JESUÍTAS E AS TAPEÇARIAS DE BEAUVAIS: APORTES PARA A  CONSTRUÇÃO DA SINOFILIA EUROPEIA


Os relatos de Álvaro Semedo e Gabriel de Magalhães

A história da missionação jesuítica no Império Chinês é muito complexa e envolve não apenas questões específicas da catequese, mas também um fecundo relacionamento entre os padres e o mandarinato, pois muitos dos inacianos exerceram atividades importantes junto à Corte, entre elas as de matemáticos, astrônomos, engenheiros e pintores oficiais.

Entre os diversos jesuítas que se dedicaram ao trabalho missionário na China, do final do século XVI ao início do XVIII, o português Álvaro Semedo destacou-se na escrita de um detalhado relato com observações importantes sobre sua permanência no Império do Meio. Semedo desembarcou em Macau em 1610 e instalou-se em Nanjing em 1613, mas passou por dificuldades em virtude de um período de perseguição aos estrangeiros naquela cidade, tendo que retornar ao enclave português no ano de 1616. 

Eram tempos conturbados e havia uma exacerbada animosidade contra estrangeiros, pois a dinastia Ming sentia-se ameaçada por invasões de tribos do Norte e pela pirataria japonesa no litoral. Entre os anos de 1615 e 1616 Semedo chegou a ser preso, acusado de propagar crenças nocivas aos chineses. No entanto, em 1621 ele já havia sido admitido novamente no continente, onde viveu até 1658, falecendo em Guangzhou (Cantão).

Seu relato sobre a China teve uma primeira edição em espanhol em 1642 e não há nenhuma evidência de outra anterior, em português. Seguiram-se traduções para o francês, em 1645, e para o inglês, em 1655 [Mungello, 1989, 75], o que evidencia o interesse que o império chinês despertava na Europa. Acreditamos ser possível afirmar que tal interesse antecedia o chamado “orientalismo” que viria a se desenvolver a partir do século XVIII e, com maior intensidade, no decorrer do século XIX, associado ao expansionismo europeu.

Semedo descreve de maneira detalhada o idioma chinês, destacando as características da escrita e a capacidade de memorização dos estudantes. [Semedo, 1642, p. 49-54] Para os jesuítas, sem dúvida, o encontro com uma sociedade que prestigiava os mestres e valorizava o estudo constituía-se numa real possibilidade de diálogo, o qual tornou-se ainda mais fecundo porque os padres dedicaram-se muito ao estudo do idioma.

Álvaro Semedo referiu-se aos livros Clássicos chineses que continham textos cujo conhecimento era exigido nos concursos imperiais. O fato de que os letrados eram os principais interlocutores dos jesuítas permitia que esses obtivessem informações bastante fidedignas a respeito dos estudos na China. A escrita chinesa era também motivo de admiração para os europeus e Semedo não deixou de registrar sua antiguidade: “as letras que usam parecem ser tão antigas quanto a própria gente, pois conforme seus monumentos históricos escritos com elas, conhecem-nas há mais de 3.700 anos (...)”. [Semedo, 1642, p. 34] Sua descrição dos exames imperiais é detalhada e trata da maneira como se desenvolviam as provas e do prestígio daqueles que chegavam ao mais elevado patamar de classificação. [Semedo, 1642, p. 61-69]

No relato do inaciano há uma descrição do interesse dos chineses pela Astronomia, destacando que o estudo dessa ciência era totalmente controlado pela Corte imperial. [Semedo, 1642, p. 78] Realmente, a elaboração do calendário, o detalhamento de períodos de plantio e de colheitas, as previsões de eclipses e até mesmo o estabelecimento de datas auspiciosas ou nefastas eram considerados assuntos de alto interesse e só poderiam ser tratados por mandarins da confiança do imperador.

A medicina tradicional chinesa era, na época, desconhecida na Europa, mas chamou a atenção dos jesuítas e Álvaro Semedo a descreve no seu relato, destacando a precisão da prática de tomar o pulso:

 

“No pulso realmente são admiráveis. Tomam-no muito devagar em ambos os braços, bem descansados, sobre almofadas ou outra coisa e por ele conhecem o achaque do enfermo, sem que lhe façam nenhuma pergunta sobre o que lhe dói. Não direi que acertam todos e em tudo, porque há médicos ignorantes, mas os estudiosos e bons, sim, acertam.” [Semedo, 1642, p. 83]

 

Outro jesuíta português, o padre Gabriel de Magalhães, estabeleceu-se em Hangzhou, no sul da China, em 1640, seguindo posteriormente para Chengdu e, em 1648, instalando-se em Beijing. Seu relato foi publicado posteriormente ao de Álvaro Semedo e também continha informações importantes sobre a China e sobre o denso relacionamento que ele próprio manteve com o mandarinato. O relato de Magalhães, escrito em português, também não circulou em seguida na língua do seu autor, mas na tradução francesa feita pelo abade Claude Bernou. [Magaillans, 1688]

No mesmo ano de 1688 foi publicada uma tradução para o inglês e, portanto, nestes dois idiomas é que o texto foi, inicialmente, lido pelos europeus. Sua descrição de Beijing mostrou-se bastante acurada. A partir da descrição do jesuíta, Bernou acrescentou o desenho de um mapa, o Plan de la Ville de Pekim Capitale de la Chine. [Magaillans, 1688, encarte entre as páginas 274 e 275]

O idioma chinês continuava despertando grande interesse e o padre Magalhães deteve-se longamente na sua análise. Ele afirmou se tratava de uma escrita muito antiga e anterior aos hieróglifos do Egito. Mesmo beirando a fantasia, sua descrição das características dos caracteres chineses demonstra grande admiração:

 

“Ainda que os egípcios se gabem de ter sido os primeiros a possuir letras e hieróglifos, é certo, porém, que os chineses os tiveram antes deles. Todas as outras nações tiveram uma escrita comum, que consiste em um alfabeto de mais ou menos vinte e quatro letras que têm aproximadamente o mesmo som, ainda que sua imagem seja diferente; mas os chineses têm cinquenta e quatro mil quatrocentas e nove letras, que exprimem o que elas significam com tanta graça, de vivacidade e de força, que parece que não são caracteres, mas vozes e línguas que falam ou, melhor dizendo, figuras e imagens que exprimem e representam ao vivo o que elas significam, tanto o artifício destas letras é admirável.” [Magaillans, 1688, p. 84]

 

Fica bastante claro, em grande parte do relato, que o jesuíta se interessou com certa profundidade pela escrita chinesa. Suas explicações remontam às formas mais antigas de algumas palavras e ele as transcreve de maneira muito correta. [Magaillans, 1688, p. 85-86] O respeito dos chineses pelas pessoas mais velhas e também por seus antepassados e, mais ainda, por seus pais já falecidos, é um tipo de comportamento que fez com que os jesuítas os considerassem dignos de admiração. O culto aos ancestrais, uma prática confucionista que, no século XVIII criou tantos problemas e deu origem a tantas críticas da parte de outras ordens e até mesmo do Vaticano, foi entendido pelo padre Magalhães, bem como por outros jesuítas, como algo digno de ser apreciado:

 

“Vemos setecentos e nove templos construídos pelos chineses em diversas épocas, em memória de  seus ancestrais e consideráveis pelo seu tamanho e pela beleza de sua arquitetura. Os chineses se acostumaram com o testemunho de um amor e de uma obediência extraordinária por seus pais, principalmente depois da sua morte, e é para o demonstrar que eles mandam construir com grandes custos salas soberbas, nas quais em lugar de imagens e de estátuas eles colocam cartuchos com os nomes de seus pais. Em certos dias do ano, determinados pela família à qual pertence o templo, eles reúnem-se nessas salas, onde se prosternam no chão em sinal de amor e de respeito (...).” [Magaillans, 1688, p. 56]

 

A descrição de Gabriel de Magalhães é bastante fiel às cerimônias nos templos confucionistas e ele não considera os rituais que homenageiam os antepassados como manifestações religiosas incompatíveis com o cristianismo. Tal debate viria a ocorrer mais adiante, com o recrudescimento da chamada “querela dos ritos”, que tantos problemas causou para a Companhia de Jesus. [Peretti, 2016, 9-12]

Nem toda a longa estadia chinesa do padre Magalhães foi, porém, agradável, pois ele viveu em tempos difíceis do império, em plena conquista manchu, estando em Chengdu, na companhia do padre italiano Ludovico Buglio, numa época de insurreições contra os invasores. Com a vitória daqueles que se autodenominariam dinastia Qing, os dois jesuítas foram presos e conduzidos a Beijing quando o rebelde Zhang Xianzong foi morto por soldados manchus. Ambos escaparam de condenações graves por intercessão de outro padre, o alemão Adam Schall von Bell, que então já havia conquistado o apoio dos novos senhores da China e era prestigiado como astrônomo imperial. [Patternicò, 2014, p. 65]

Mais adiante, enfrentando denúncias, Magalhães foi mais uma vez preso em virtude de acusações de alguns mandarins. Era comum que ocorressem tais problemas, pois nem todos os cientistas da corte gostavam de ter seu prestígio dividido com estrangeiros de destaque junto ao imperador. A tudo, somou-se uma longa e amarga disputa com Adam Schall, ainda que esse o tivesse ajudado no período da queda da dinastia Ming. Schall, porém, muito cuidadoso e bastante apreciado pelo imperador Shunzhi, para o qual trabalhava, evitava maiores problemas que pudessem colocar em risco o conjunto das atividades dos jesuítas. No entanto, grande parte dos desentendimentos, mesmo os mais graves, eram resolvidos dentro do império e raramente afloravam com muita repercussão na Europa.

De um modo geral a maioria dos mandarins chineses acolhia os jesuítas com grande interesse por seus conhecimentos científicos, portanto boa parte das imagens veiculadas pelos padres tinha um caráter positivo e elas mantiveram-se apesar de alguns raros períodos de perseguições voltadas para as atividades missionárias da Companhia.

 

Imagens dos jesuítas nas “chinoiseries”: as tapeçarias de Beauvais 

A aceitação dos inacianos no interior do império dependeu muito da política interna chinesa em cada época. Houve perseguições em momentos de crise, mas após períodos de instabilidade os padres voltavam a ser valorizados, mesmo sofrendo pontualmente em virtude de algumas rivalidades e da inveja em função dos altos cargos que ocupavam na corte. Foram, porém, imagens de prestígio que circularam intensamente na Europa e, em especial, aquelas dos padres cientistas junto aos imperadores – o que correspondia à realidade.

A moda que ficou conhecida na Europa como “chinoiseries” e que se refletiu na construção de jardins, nas pinturas e em vários objetos de decoração a partir de meados do século XVII e, mais intensamente, no decorrer de todo o século XVIII [Goux, 2020], enquadra-se em um movimento mais amplo de sinofilia presente em todo o período setecentista. A presença dos jesuítas no Império do Meio é, sem dúvida parte desse contexto.

Dois inacianos que exerceram a função de diretores do Observatório Astronômico de Beijing, o alemão Johan Adam Schall von Bell, ao qual já nos referimos na relação com o padre Gabriel de Magalhães, e o flamengo Ferdinand Verbiest foram, entre o final do século XVII e o início do XVIII, representados em um conjunto de tapeçarias francesas denominado “L’Histoire de l’empereur de Chine”. Como era habitual na época, as tapeçarias foram manufaturadas de acordo com as encomendas do circuito da elite europeia em um dos ateliês mais prestigiados do reino, o de Beauvais.

Não é possível avaliar com exatidão quantas vezes foi reproduzida cada peça do referido conjunto, mas atualmente várias delas podem ser encontradas em museus e em coleções privadas de diversos países. Há o registro de alguns clientes que as encomendaram ao ateliê de Beauvais, entre eles o então jovem duque do Maine, Louis Auguste de Bourbon, filho do rei Luís XIV com Madame de Montespan. [Marty, 2014, p. 17] As tapeçarias eram realizadas a partir dos chamados cartões pintados por artistas da época. No caso do conjunto sobre o imperador da China, os cartões eram obras dos pintores Guy-Louis Vernansal (1648 – 1729), Jean-Baptiste Monnoyer (1636 – 1699), et Jean-Baptiste Belin de Fontenay (1653 -1715). [Marty, 2014, p.1]

Foi Luís XIV justamente o monarca que enviou para a China um grupo de jesuítas diretamente vinculados à Coroa francesa e, pela primeira vez, não submetidos ao Padroado português. Denominada Missão Francesa, seus integrantes tinham recebido também o apoio da Academia de Ciências de Paris e chegaram em Beijing no ano de 1688, sendo muito bem recebidos pelo imperador Kang’xi e por boa parte do mandarinato. [Palazzo, 2017, p. 38-40]

Os padres Schall e Verbiest, porém, não faziam parte da missão enviada pelo monarca francês e a antecederam, mas suas importantes funções na China eram difundidas também na França. Justamente um dos membros da referida Missão, o padre Jean de Fontaney, escreveu uma carta ao confessor de Luís XIV na qual descrevia as homenagens que Ferdinand Verbiest havia recebido da parte dos chineses em seu funeral, realizado em 1688. [Fontaney, 2001, p. 65] Verbiest, que viveu na China entre 1659 e 1688, havia sucedido Adam Schall na direção do importante Observatório Astronômico.

A imagem que segue mostra a peça denominada “Les Astronomes”, do conjunto de tapeçarias ao qual nos referimos e traz uma cena na qual estão representados, muito provavelmente, os dois jesuítas-astrônomos, Adam Schall von Bell e Ferdinand Verbiest, o imperador Shunzhi e seu filho Kang’xi. Não há registro que descreva quem são exatamente as figuras da tapeçaria, mas o padre Schall foi diretor ao Observatório durante o reinado do imperador Shunzhi, entre os anos de 1644 e 1664, portanto em um período no qual Kang’xi era ainda uma criança. Assim, o menino próximo a Verbiest, poderia ser justamente o então príncipe Kang’xi que, após suceder o pai, tornou-se um grande admirador e protetor dos jesuítas.

Tapeçaria “Les Astronomes”. Foto nossa no Museu Leblanc-Duvernois, em Auxerre.

 

Os trajes de ambos os padres são as tradicionais vestes de mandarins chineses, o que corresponde ao grau que eles atingiram na burocracia. O bordado em um quadrado no peito de Adam Schall é a figura que os mandarins de grande importância costumavam usar. Provavelmente o desenho na tapeçaria foi inspirado por uma gravura retratando Schall e que se encontra na obra de Athanasius Kircher, publicada em sua tradução para o francês um pouco antes da realização das pinturas dos cartões. [Kircher 1668, p. 138] Cabe lembrar que a obra de Kircher, ele mesmo um jesuíta, foi escrita originalmente em latim, mas circulou em muitas traduções e em diversos países europeus, difundindo também o prestígio que os padres desfrutavam no Império do Meio.

Além de Louis Auguste de Bourbon, sabe-se que o conjunto das tapeçarias “L’Histoire de l’empereur de Chine” foi encomendado também por outras personalidades europeias, entre elas François-Louis de Wittelsbach, um eclesiástico do Sacro Império Romano Germânico e Joseph-Jean-Baptiste Fleuriau d’Armennonville, de uma família de comerciantes de Tours [Marty, 2014, p. 29-33], o que mostra o alcance das imagens registradas em peças tão apreciadas.

Observar a circulação das histórias sobre os contatos dos jesuítas na China, ainda que recontadas e interpretadas livremente pelos artistas que criaram as cenas, leva-nos a constatar que os europeus letrados estavam bem informados sobre as atividades de prestígio que os inacianos exerciam junto à corte de um império milenar.

 

Conclusão

Nosso objetivo neste breve artigo foi o de mostrar a importância dos inacianos como responsáveis pela divulgação, entre os europeus, de imagens de uma China admirável e, em muitos aspectos, comparável à Europa. A sua civilização milenar, ainda que não cristã, era por eles considerada como meritória de interlocução, mesmo que houvesse críticas em meio aos elogios. Tais críticas, porém, nunca impediram grande proximidade dos padres com o mandarinato, no interesse da catequese, é claro, mas também pelo contato em si, que inúmeras vezes agradava ambas as partes.

Com seus relatos detalhados sobre a cultura confucionista e sobre o respeito demonstrado pelos chineses às ciências, os padres estimulavam, na Europa, o que viria a ser conhecido como um período de sinofilia entre as elites. Da mesma maneira, as descrições dos concursos imperiais permitiram que os europeus tomassem conhecimento da estrutura da burocracia chinesa, na qual a qualificação baseava-se no árduo estudo.

O império chinês, até meados do século XVIII era solidamente centralizado e cioso de sua importância, o que fazia com que a relação com os missionários ocorresse entre semelhantes, apesar das divergências e mesmo de disputas acirradas. O fato de ser estimulado, na Companhia de Jesus, o aprendizado do idioma das sociedades nas quais os padres exerciam suas atividades facilitou a convivência com os mandarins, permitindo que ocorresse um intercâmbio cultural. Com todas as dificuldades enfrentadas e apesar dos momentos críticos, com turbulências na política interna chinesa, especialmente durante a conquista manchu, a maioria dos padres manteve um olhar de admiração.

Os manchus, por sua vez, adotando grande parte dos hábitos e o idioma dos chineses e preservando a valorização dos concursos imperiais, quando subiram ao trono como a poderosa dinastia Qing (1644–1911) tiveram nos inacianos colaboradores excepcionais. Com o apoio deles aumentaram seus conhecimentos de matemática, de mecânica e de astronomia. E o comércio de luxo que levava aos europeus a porcelana e tantos outros produtos muito apreciados, constituía-se no suporte material igualmente relevante enquanto se desenvolviam ideias sobre a China que seduziram também os pensadores Iluministas. [Terrón Barbosa, 2010, p. 267-277] É possível, então, dizer que mais do que um interesse superficial pelo exótico, o conhecimento sobre as atividades dos jesuítas no Império do Meio estava integrado na ampliação da visão de mundo do Ocidente entre os séculos XVI e XVIII.

Se a catequese era um aspecto importante nas atividades dos padres, ao entender que ela poderia se dar através da valorização da ciência desenvolvida na Europa – ciência da qual eles, com razão, consideravam-se representantes – abria-se caminho para um intercâmbio que frutificava. Ainda hoje na República Popular da China, um país que se desenvolve a passos acelerados, os visitantes do Museu do Antigo Observatório Astronômico em Beijing deparam-se com uma homenagem a Adam Schall von Bell e a Ferdinand Verbiest, com painéis legendados em mandarim e inglês, relatando a atuação dos dois padres astrônomos na Corte. E o Cemitério Jesuíta de Zhalan, também na capital, no qual muitos túmulos de inacianos que viveram e morreram nas terras do império estão sob os cuidados do governo chinês, permanece como testemunho de um longo período no qual os encontros entre o Ocidente e o Oriente foram mais densos e mais fecundos do que os desencontros.

 

Referências

Carmen Lícia Palazzo é doutora em História pela Universidade de Brasília, UnB, pesquisadora convidada do UniCeub e trabalha com a temática de encontros entre o Ocidente e o Oriente, Relatos de Viajantes e Rota da Seda. Ministrou o módulo “A Rota da Seda e a Cultura como Vetor das Relações entre a China e o Ocidente” no curso de pós-graduação lato sensu Análise de Cenários Políticos, Resolução de Conflitos e Negociações para a Paz, no UniCeub (2020).

(Todas as traduções dos trechos citados no artigo são nossas.)

Fontes escritas:

FONTANEY, J. Carta de 15 de fevereiro de 1703, enviada a R. P. De La Chaise. Em Vissière & Vissière, I. e J.-L. (ed.). Lettres Édifiantes e Curieuses des Jésuites de Chine (1702-1776). Paris: Desjonquères, 2001: 59-75.

MAGAILLANS, Gabriel de. Nouvelle Relation de la Chine contenant la description des particularitez les plus considérables de ce grand empire. Paris: Claude Barbin, 1688.

KIRCHER, Athanasius. La Chine illustrée de plusiers monuments tant Sacrés que Profanes, et de quantité de Recherches de la Nature & de l’Art. Amsterdam: Jan Jansson & les heritiers de Elizée Weyerstraet, 1668 e 1670.

SEMEDO, Álvaro. Imperio de la China y cultura evangélica en el. Madri: Juan Sanchez, 1642.

 
Fonte iconográfica:
Tapeçaria “Les Astronomes”. Museu Leblanc-Duvernois, em Auxerre, França. Foto nossa, autorizada pelo referido museu.

 

Bibliografia:

GOUX, Valentin. “The History of Chinoiseries in France”.  Institute of Classical Architecture & Art. New York, 2020. disponível em https://www.classicist.org/articles/the-history-of-chinoiseries-in-france/

MARTY, Mélanie. “La tenture de Beauvais: Histoire de l’empéreur de Chine”. dissertação de Mestrado. Pau: Université de Pau et des Pays de l’Adour, 2014.

MUNGELLO, David E. Curious Land. Jesuit Accomodation and the origin of Sinology. Honolulu: University of Hawaii Press, 1989.

PATTERNICÒ, Luisa M. “Ludovico Buglio e la sua rocambolesca aventura cinese”. In Sulla via del Catai, v. 11. Trento: Centro Studi Martino Martini, 2014: 63-74.

PALAZZO, Carmen Lícia. “De Matteo Ricci à Missão Francesa: o encontro entre os jesuítas europeus e o Império do Meio” in BUENO, André et alii (orgs.), Vários Orientes, p. 31-45. Rio de Janeiro: Sobre Ontens, 2017.

PERETTI, François-Xavier de. “L’inculturation des Jésuites en Chine. Pascal, Leibniz, Voltaire et la querele des rites chinois.”, Magazine de Littératures et de Cultures à l’ère numérique, (Transnationalité. L’expérience de l’ailleurs), n. 7, (2016). Centre Interdisciplinaire d’Étude des Littératures d’Aix_Marseille.

TERRÓN BARBOSA, Lourdes. Images de la Chine dans lóeuvre de Voltaire. Thélème.  Revista Complutense de Estudios Franceses, 2010, v. 25, p. 267-277.

18 comentários:

  1. Boa tarde, excelente texto. Álvaro Semedo descreveu a cultura chinesa de forma a atrair um grande público, contudo foi citado que quando chegou na China em 1910 o país possuía aversão a estrangeiros, posteriormente ele chegou a ser preso acusado de propagar crenças nocivas aos chineses. O que fez mudar essa situação para que ele pudesse ter 'acesso' a essa cultura e poder relatá-la?
    Atenciosamente,
    Lara Karinina Viana de Almeida

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  2. Boa noite, muito obrigada! Em primeiro lugar, só para deixar claro, Semedo chegou na China em 1610 e não em 1910. Sua pergunta é interessante, pois como os artigos sempre têm os limites de tamanho, as explicações do contexto geral não ficam muito claras. Tentei resumir no seguinte parágrafo: "Houve perseguições em momentos de crise, mas após períodos de instabilidade os padres voltavam a ser valorizados, mesmo sofrendo pontualmente em virtude de algumas rivalidades e da inveja em função dos altos cargos que ocupavam na corte." No entanto, é importante mesmo acrescentar que, com o correr do tempo, os jesuítas foram se tornando cada vez mais apreciados na Corte imperial, então as desconfianças em relação a eles tornaram-se menores. Um problema sério para a China era a pirataria que ocorria na sua costa, não apenas praticada por japoneses, mas algumas vezes também por piratas de outras nacionalidades. Assim, o poder central acreditava que em determinadas épocas o melhor era fechar todo o contato com estrangeiros. Isso, porém, também teve suas ambiguidades, pois quando os portugueses ajudaram os chineses a lutar contra os piratas vindos do Japão,o imperador e os mandarins passaram a olhar aqueles que os haviam ajudado, de maneira mais positiva. Algo que também passava a ter muita importância era o avanço de cada jesuíta no conhecimento do idioma chinês. À medida em que eles se comunicavam de maneira mais fluente com o mandarinato local, formavam redes de amizade importantes na burocracia do império e então encontravam maior proteção e reconhecimento por suas atividades. Não sei se lhe respondi como esperava, mas fique bem à vontade para outras questões, se desejar.

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    1. Muito obrigada por responder, ajudou a esclarecer a questão e me confundi na hora de fazer a pergunta em relação a data, peço desculpas.

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    2. Fico contente que tenha ajudado. Um abraço.

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  3. Prof. Pallazo,
    muito bom o seu texto. vendo o tapete apresentado, pode-se dizer que os religiosos tiveram influência na disseminação da chinoiserie, e no mito de uma China poderosa e inspiradora?
    Obrigada,
    Everton Marques

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    1. Everton,
      Muito obrigada. É possível, sim. Os relatos dos jesuítas foram bastante lidos pelas elites europeias e até Voltaire, que era anti-clerical, fez referência aos jesuítas na China. Muitos dos padres escreveram cartas para grandes personalidades europeias elogiando a cultura chinesa. Em geral eles desejavam apoio para as suas atividades missionárias, mas para tal elogiavam os chineses e diziam que não haveria problemas em aceitar alguns ritos dos confucionistas. Na plataforma da academia.edu tenho outros artigos sobre o assunto, que são mais detalhados e dão uma visão melhor sobre a influência dos inacianos no interesse dos europeus pelo império chinês.

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    2. Gostaria de acrescentar também que o interesse dos europeus no trabalho dos jesuítas na China era tão grande, que as tapeçarias foram bastante difundidas e não apenas na França. Cito aqui um trecho de um texto meu que você pode encontrar mais completo na plataforma da academia edu, justamente sobre as tapeçarias: " A moda que ficou conhecida na Europa como chinoiseries, nos jardins, nas pinturas, no mobiliário e nos mais variados objetos de decoração a partir de meados do século XVII e, mais intensamente, no decorrer de todo o século XVIII (Goux, 2020), enquadra-se em um movimento mais amplo de sinofilia, que foi bastante claro em todo o período setecentista(...)" E, mais adiante, falo sobre os que se interessaram em encomendar as tapeçarias: " (...) Além de Louis Auguste de Bourbon, sabe-se que o conjunto das tapeçarias L’Histoire de l’empereur de Chine foi encomendado também por outras personalidades europeias, entre elas Louis Alexandre de Bourbon, conde de Toulouse, François-Louis de Wittelsbach, um eclesiástico do Sacro Império Romano Germânico e Joseph-Jean-Baptiste Fleuriau d’Armennonville, de uma família de comerciantes de Tours (Marty, 2014, 29-33), o que mostra o alcance das imagens registradas em peças de tanto prestígio.
      Observar a circulação das histórias sobre os contatos dos jesuítas na China, ainda que recontadas e interpretadas livremente pelos artistas que criaram as cenas, leva-nos a constatar que os europeus letrados estavam bem informados sobre as atividades de prestígio que os inacianos exerciam junto à corte de um império milenar. E, tendo os padres efetivamente atuado como cientistas, reconhecidos como verdadeiros mandarins, era sem dúvida legítimo que naquela época os europeus vissem a China como uma sociedade culturalmente avançada, com a qual era possível e até mesmo desejável dialogar.

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  4. O tema é tão vasto e rico que, na verdade, fico tentada a responder de maneira muito prolixa...

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  5. André Silva Pereira de Oliveira Ribeiro6 de outubro de 2021 às 08:30

    Olá Carmem, muito bom o seu texto.

    Acompanho o seu trabalho há algum tempo. Gostaria de saber se houve uma relação de sucessão entre Matteo Ricci e Álvaro Semedo? Pois Semedo desembarca em Macau em 1610, e na China em 1613. Não por acaso, Matteo Ricci vem a falecer em 1610 me Beijing. Dentre os inacianos houve essa relação de substituição de figuras chaves representativas da ordem? Desse modo, poderíamos falar nos termos de "geração de inacianos" ou "genealogia de interesses" da Companhia sobre a sociedade chinesa? Seria plausível pensar numa linhagem missionária?

    Além disso, em geral, os registros históricos dispõem enfâse maior e mais positiva na figura de Matteo Ricci do que seus sucessores. Há uma relação de continuidade hierárquica nesse conjunto de missionários da Companhia?

    Desculpe tanta perguntas embutidas. Estou tentando entender esses movimentos de penetração na corte chinesa, até que ponto eles pertenciam à um projeto missionário maior de longo prazo.

    André Ribeiro

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    1. Olá, André, muito obrigada.
      Suas perguntas são muito interessantes e vão ao encontro de meus próprios questionamentos. Tenho refletido sobre a existência de um fio condutor do trabalho dos jesuítas na China e também sobre as possíveis diferenças entre os que estavam mais ligados ao Padroado português e aqueles que se consideravam um grupo totalmente independente, como os membros da Missão Francesa e conhecidos como os "jesuítas do rei da França". No entanto, parece-me que até o momento há apenas diferenças pontuais e que se relacionam mais à formação de cada um deles. Alguns membros da dita Missão Francesa, ou do rei da França, dedicaram-se muito às atividades científicas. Por outro lado, há o grupo específico dos astrônomos, grupo que trabalhou diretamente com Kang Xi, entre eles Adam Schall e Verbiest, um alemão e outro flamengo. E Schall envolveu-se em uma disputa séria com Magalhães que, ao que tudo indica, foi muito mais pessoal do que institucional. Acho que a linhagem missionária tem também relação com a formação dos padres e com seus relacionamentos com Roma e com os visitadores. Ricci mantinha um excelente relacionamento com Valignano e Valignano foi absolutamente essencial ao apoiar o comportamento de "inculturação" defendido por Matteo Ricci. O fato de ambos serem italianos facilitava o relacionamento? Não encontrei nada de concreto para fazer essa afirmação, que no entanto teria certa lógica... Ricci efetivamente tem muito mais projeção do que muitos outros jesuítas que desempenharam funções importantes inclusive junto à corte chinesa. O fato de que ele foi pioneiro na penetração do Continente e de que estabeleceu uma importante rede de relacionamentos com o madarinato contribuiu para que se tornasse mais conhecido na própria China. Sua habilidade social era inegável. Visitei muitos museus chineses e sempre me impressionava a referência a Matteo Ricci em grande parte deles. Na Itália, a cidade de Macerata também organiza regularmente eventos que o relembram e, em Xangai, tive a oportunidade de assistir a uma grande exposição no maior museu da cidade realizada em conjunto com os governos da China e da Itália muito me impressionou. Fixou-se, portanto, nas mentalidades coletivas, a imagem do pioneiro (e não digo que isso não seja justo) mas outros que o sucederam enfrentaram maiores dificuldades e ainda assim foram presenças muito relevantes e marcantes. A relação de sucessão eu diria que existe e que é marcada pela capacidade de levar adiante o processo da chamada "inculturação" que foi iniciada por Matteo Ricci.Por características pessoais, alguns padres foram mais capazes do que outros de seguir na mesma rota. Mas as características da política chinesa também foram importantes e, no século XVIII, com a querela dos ritos, muitos jesuítas tiveram que agir com perfil muito mais discreto para evitar as acusações das outras ordens e mesmo do mandarinato, irritadíssimo com a interferência do Vaticano. Interferência que se mostrou desastrosa. Totalmente desastrosa. bem, mas realmente o tema é inesgotável. Estou procurando avançar no trabalho sobre a Missão Francesa, mas ainda muito no início. Grata pelo seu questionamento, quem sabe se no futuro terei respostas mais assertivas...

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    2. André, reli minha resposta e acho que faltou acrescentar algo que me parece importante:
      1) Sem dúvida havia o projeto da missionação no Oriente que vinha desde Francisco Xavier e que o Padroado português abraçava;

      2) havia também um claro interesse pessoal de determinados jesuítas que eram já reconhecidos cientistas na Europa e que, na China, sentiam-se mais à vontade para atuar como tal. Nesse caso os franceses me parece que se enquadravam, pois eles representavam, na China, a Academia de Ciências de Paris e com ela é que se comunicavam;

      3) ainda não entrei em detalhes nesse caso, mas o interesse de Leibniz pelo trabalho dos jesuítas e pela busca de uma "língua original" que poderia ter sido, segundo eles, a chinesa também alimentava o lado de pesquisadores dos padres.

      Enfim, por enquanto tenho também muitas perguntas! Mais perguntas do que respostas. Uma parte da bibliografia é mais ligada às atividades de cada um deles, então ainda sinto falta do entendimento do conjunto.

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  6. Um texto rico, que mostra a recepção multifacetada e intelectualmente concebida da China antes do Colonialismo Orientalista. Parabéns! =)
    André Bueno

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    1. Caro André, muito grata por suas considerações. Permita-me cumprimenta-lo pela excelente organização do Simpósio.

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  7. André Silva Pereira de Oliveira Ribeiro7 de outubro de 2021 às 06:48

    Obrigado Carmem, por esclarecer com tanto cuidado.

    É mesmo fascinante a história dos Jesuítas na China, sobretudo, como eles souberam construir pontes tão hábeis entre culturas tão distintas. As viagens que fiz a China e Taiwan também me deixaram bastante surpreso quanto a presença da figura de Matteo Ricci na cultura em geral. É fantástico!

    Desde 2016 venho pesquisando a atividade missionária na China, quando trabalhei em um projeto de reconstrução da música palaciana de entretenimento da corte Qing, transcrita por Pere Jean Joseph Marie Amiot S.J. (1718-1793): um conjunto de três cadernos intitulados "Les Divertissements Chinois" contendo 41 árias. Porém, até agora não tinha notado essa autonomia relativa das missões francesas, o que me faz mudar muito o eixo de análise em vista da música. Pois a música francesa barroca foi muito voltada às especulações teóricas científicas, mais do que o restante da europa. Amiot, por exemplo, fez questão de apresentar a música de Rameau (grande compositor, vanguardista e teórico da época) aos letrados chineses. Algo bem incomum.

    Deixo o link para YouTube da recriação feita pelo etnomusicólogo François Picard, combinando o instrumental das cortes chinesa e francesa. Além disso, o programa também alterna peças musicais de cada uma. Muito interessante!

    https://www.youtube.com/watch?v=S1FQBgVx2x4&ab_channel=LeBaroqueNomade

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    1. Muito obrigada pelo link!
      Interessantíssimo o teu trabalho sobre a música, fascinante mesmo.
      Só para acrescentar algo mais, fiquei impressionadíssima em ver o cuidado com o qual os chineses cuidam do cemitério jesuíta de Beijing (Zhalan)!

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  8. Boa noite! Texto muito informativo. Durante a graduação, tive contato com os escritos de Marco Polo, mas não conhecia os escritos dos jesuítas sobre o Oriente. O que pode ter levado o primeiro a ficar mais conhecido que estes?

    José Augusto Lara

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    1. Boa noite, José Augusto. E obrigada. O texto do Marco Polo realmente circulou mais na Europa do que os relatos e as cartas dos jesuítas, que atingiam um grupo mais restrito de leitores. Marco Polo foi traduzido em diversas línguas e mesmo mais recentemente ele foi editado em muitos países e com ilustrações de várias épocas. Algumas das edições eram e continuam sendo mais populares, portanto acessíveis a um público maior e outras de alto luxo, também muito apreciadas, mas por um público mais restrito. Sua obra é considerada "literatura de viagem", portanto mais fantasiosa e ao mesmo tempo muito mais atraente para os leitores (mas além da fantasia é também bastante realista sobre a corte da dinastia Yuan na China, uma dinastia de origem mongol). Como leitura é bastante distinto dos textos dos jesuítas, que não têm o mesmo apelo do que Polo ditou provavelmente para seu companheiro de prisão em Gênova.
      Os escritos dos missionários, por sua vez,tinham como objetivo mostrar as atividades que eles desempenhavam na China e também sensibilizar a elite europeia para o trabalho da catequese, então costumavam ser lidos pelos interessados no tema e pelos que financiavam a atividade missionária. Mesmo atualmente são um pouco raras as edições de tais relatos, de cunho mais popular. E o seu conteúdo passa longe das descrições repletas do "maravilhoso medieval"(termo de Le Goff) que está muito evidente no livro de Polo e que o torna tão fascinante mesmo para o leitor não especializado.

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  9. Grata pelos questionamentos e comentários de vocês!

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