PERSPECTIVAS DE CIÊNCIA E CIENTISTA NO MANGÁ ASTRO BOY
Introdução
Este estudo pretende analisar as concepções de ciência e cientista no mangá, história em quadrinho japonês, Astro Boy [鉄腕アトム, Tetsuwan Atomu] escrito e ilustrado pelo desenhista e graduado em medicina Osamu Tezuka entre os anos 1951-1981. Foram selecionados para essa análise os volumes publicados entre os anos 1960 e 1970 que fazem referência ao contexto do final dos anos 1940 e 1950, no que diz respeito às narrativas sobre o investimento dos governos japonês e americano em desenvolvimento científico e tecnológico na construção de usinas nucleares, quando a divulgação de produtos literários e midiáticos nesse território era mediada pela ocupação estadunidense. Essa ocupação era responsável por vetar representações negativas dos Estados Unidos, como as representações das consequências humanas e ambientais do uso da energia atômica [Fuller, 2019]. Também se analisa os capítulos que fazem referência à ideia de ciência japonesa construída com base na concepção ocidental de desenvolvimento e fortemente divulgada pelos Estados Unidos no Japão [Sasaki, 2010].
Na seção a seguir, apresenta-se alguns estudos sobre as
representações de ciência e cientista em mídias ocidentais durante século XX e
como essas representações foram apropriadas pelo enredo do mangá japonês Astro
Boy, no qual se caracteriza tanto o sentido histórico de ciência ocidental como
também o sentido ressignificado pela concepção de ciência japonesa.
Concepções de
ciência e cientista na cultura popular ocidental e japonesa
No que diz respeito aos estudos que analisam as representações de cientista na cultura ocidental, principalmente em mídias de entretenimento, o pesquisador David Kirby [2017] identifica que ainda predomina a ideia de cientista representado por um homem branco que veste jaleco e realiza experimentos em laboratório. Ele também observa que os significados culturais dessas mídias podem impactar os conhecimentos, crenças, percepções e atitudes das pessoas em relação aos conhecimentos e práticas científicas [Kirby, 2017].
Esse autor também apresenta outros estudos que abordam as concepções de ciência e cientista presentes na literatura e nos filmes da cultura ocidental no século XX. Dentre esses, Kirby [2017] menciona o estudo da pesquisadora Roslynn Haynes [2003] que observa nessas produções culturais ocidentais a predominância do estereótipo de cientista cruel que produz instabilidade na ordem social com seus conhecimentos e práticas científicas, causando uma condição de vulnerabilidade nas pessoas quando essas não conseguem interpretar os códigos da linguagem científica necessários para compreender essas práticas científicas e os impactos de suas produções.
A pesquisadora também ressalta o estereótipo do cientista envolvido no contexto de construção da bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria, representado como alguém despreocupado com os impactos dessa tecnologia científica e suas consequências humanas [Haynes, 2003]. Diante dessa reflexão, Kirby [2017] interpreta que essa representação da ciência como algo para ser temido também se deve aos impactos da tecnologia científica da bomba atômica que reverberaram nos anos 1950.
No que diz respeito à representação de ciência e cientista em animações, as pesquisadoras Gabriela Reznik e Luisa Massarani [2019] analisam filmes de curta-metragem que abordam temas de ciência e tecnologia no Festival Anima Mundi entre 1993 a 2013. Elas identificam que os enfoques narrativos desses filmes retratam desenvolvimentos científicos, tecnológicos, questões éticas e explicação de processos científicos. Ainda, as pesquisadoras observam que a maioria dessas produções representam os cientistas como homens brancos, adultos, vestindo jaleco e praticando atividades científicas em laboratórios.
As autoras interpretam que a maior parte dessas animações representam o fazer científico como uma atividade individual, realizada de acordo com a genialidade do cientista e independente da influência de suas relações interpessoais. A partir dessas representações, as pesquisadoras compreendem que as concepções de um perfil de cientista, como esse deve se comportar e praticar ciência, estão baseadas nas formas como as pessoas interpretam os significados de ciência e cientista com base em juízos de valor, crenças e práticas sociais convencionadas numa sociedade. As pesquisadoras também argumentam que esses significados podem ser comunicados em símbolos e metáforas que integram esse imaginário científico [Resnik; Massarani, 2019].
Alguns autores que analisam o enredo de Astro Boy também observam a presença de símbolos e metáforas referentes aos acontecimentos históricos, como as consequências do desenvolvimento científico e tecnológico durante o período da Segunda Guerra Mundial e o Pós-Segunda Guerra no Japão [Gibson, 2012; Budianto, 2018]. Nesse sentido, a pesquisadora Alicia Gibson [2012] observa que o personagem Astro Boy, representado como símbolo de modernização do desenvolvimento científico e tecnológico na sociedade japonesa, realiza as suas ações movidas pela energia nuclear. O pesquisador Frank Fuller [2019] também apresenta como o mangá Astro Boy retrata metaforicamente esse evento do desenvolvimento científico e tecnológico, comunicando determinadas emoções que podem representar as reações de alguns japoneses diante dos impactos manifestados nos ataques atômicos.
É importante ressaltar que essa ideia de desenvolvimento tem como marco o discurso do presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, em 1949. Truman alegava que era preciso intervir nas nações consideradas economicamente atrasadas e rurais. Nessa circunstância, algumas agências internacionais foram convocadas para investirem em estudos e projetos para proporem essas soluções [Castro, 2002]. Nesse sentido, Truman caracterizava as bombas atômicas como um avanço tecnológico [Gibson, 2013].
No que diz respeito às representações no mangá sobre a energia atômica, com base em Gibson [2012] é possível entender a palavra átomo [Atomu, アトム] no enredo de Astro Boy como uma metáfora para se referir ao seu poder e possibilidades de utilizá-lo mediante a tecnologia científica. Dentre essas possibilidades, Gibson [2012] e Fuller [2019] reconhecem que essas provocaram o medo quando foram associadas ao poder da bomba atômica. Nesse sentido, ambos os autores analisam o mangá como uma produção importante para expor narrativas sobre as possíveis experiências de japoneses com os impactos dessa tecnologia científica e diante da censura instaurada pela ocupação estadunidense entre o final dos anos 1940 e 1950 [Gibson, 2012; Fuller, 2019].
Esses pesquisadores também argumentam que a censura proibiu os sobreviventes ao ataque das bomba atômicas de publicarem sobre suas experiências [Gibson, 2012; Fuller, 2019]. Fuller [2019] ressalta que as autoridades dessa ocupação impediam publicações de críticas às autoridades dos Estados Unidos e privilegiavam aquelas que encorajavam o perdão e esquecimento das consequências da Segunda Guerra Mundial. O pesquisador também reconhece que essa censura também influenciou as produções dos capítulos do mangá Astro Boy após o fim dessa ocupação, tornando-se um critério a ser obedecido para que o mangá continuasse sendo comercializado no Estados Unidos [Fuller, 2019].
Gibson [2013] interpreta que dentre os diferentes interesses representados pelos cientistas nesse mangá, como as motivações para construírem tecnologias científicas, podem refletir o interesse no modelo de desenvolvimento por controlar os recursos naturais. Entende-se que esse é um modo de intervenção e de produção que preza pelo consumo dos recursos no ambiente [Castro, 2002] sem reflexão sobre os possíveis impactos para as pessoas e o ambiente em suas dimensões relacionadas ao senso de pertencimento, bem-estar, reprodução social, econômica e cultural de seus grupos [Layrargues; Puggian, 2018].
A noção de ciência motivada por esse modelo de desenvolvimento é apresentada pelo pesquisador Chikara Sasaki como uma noção ocidental apropriada pelo governo japonês. Sasaki [2010] revela que desde o período da Restauração Meiji, na segunda metade do século XIX, o Japão tentou introduzir a ciência ocidental moderna que nessa época prezava pelos métodos matemáticos, percepção mecanicista da natureza, consolidação de instituições de ensino superior e pesquisa para produzirem resultados científicos que embasassem a produção tecnológica para modernização dessa sociedade. Esse pesquisador entende que a ciência, realizada nesse período, significava para o ocidente o estudo que investiga as leis da natureza. Enquanto a tecnologia é definida nesse mesmo período como uma técnica para confeccionar objetos ou elaborar mecanismos independente de sua utilização com algum embasamento científico.
O pesquisador Sasaki [2010]
interpreta que esse processo de apropriação dessa noção
ocidental de ciência e tecnologia construiu uma noção de ciência específica no
Japão. Essa relaciona a ciência e tecnologia, tendo como modelo os resultados de ciências
experimentais construídas durante a Segunda Revolução Industrial e que foram
apropriadas na produção de tecnologias. Por exemplo, esses resultados
experimentais foram apropriados na indústria química
e indústria de energia elétrica
enquanto tecnologias baseadas na ciência [SASAKI, 2010].
Noções de
Ciência e Cientista no Astro Boy
No que diz respeito aos personagens que participam do enredo nos cinco capítulos do mangá Astro Boy, aqueles que mais aparecem envolvidos com as repercussões de tecnologias científicas são: cientista Doutor Tenma, um cientista que ocupa o cargo de diretor no Ministério da Ciência e que utiliza os recursos desse Ministério para criar o Astro Boy à semelhança de seu filho falecido e chamado Tobio; androide Astro Boy, considerado símbolo do avanço científico e tecnológico numa sociedade japonesa futurística onde busca conviver com os seres humanos de forma à ajudá-los com os conflitos provocados pelas tecnologias científicas; professor e cientista Ochanomizu, um profissional responsável por ensinar o Astro Boy para ter controle sobre sua força e promover o bem-estar das pessoas; duquesa Anta Maria, uma liderança no território da Lua onde comanda um cientista para construir ciborgues capazes de matar os japoneses que desejam explorar esse território; androide Rag, o primeiro eleito como presidente e com o objetivo de incentivar relações mais harmoniosas entre humanos e androides; extraterrestre de um planeta chamado Alsoa 12 que busca recolher as reservas de água do planeta terra, utilizando robôs para recolhê-las e levá-las para o seu planeta; finalmente, apresenta-se o ilusionista Kino, um androide que utiliza conhecimentos científicos para fazer truques de ilusão com a intenção de alegrar os seres humanos.
Na seção a seguir se propõe
uma breve apresentação sobre os cinco capítulos no primeiro e no segundo volume do mangá
Astro Boy. Busca-se interpretar como as representações de ciência
e cientissa nestes capítulos tanto se apropriam da concepção ocidental de
ciência baseada na ideia de desenvolvimento como também problematizam as
possibilidades de utilização de tecnologias baseadas
nessa concepção e suas
consequências humanas e ambientais.
Primeiro capítulo: The
Birth of Astro Boy
No primeiro volume do mangá Astro
Boy foram analisados todos os
seus três capítulos. O primeiro apresenta uma sociedade japonesa situada no
século XXI que produz androides que devem trabalhar para os seres humanos.
Esses androides foram construídos com base numa tecnologia chamada cérebro
eletrônico e produzida em 1978 por um professor e cientista americano, a qual
posteriormente foi aprimorada por um professor e cientista japonês
em 1982. Dentre esses androides existe um modelo
considerado inovador no que
diz respeito à tecnologia que o permite se assemelhar ao ser humano em sua
aparência e na forma de se comunicar emocionalmente. Esse é o personagem Àtomo
[Atomu,アトム], popularizado nos Estados
Unidos com o nome de Astro Boy, criado pelo doutor Tenma e sua equipe. Esses cientistas são
representados como cientistas que trabalham para o governo japonês no
Ministério da Ciência onde Tenma é o diretor. Na ilustração a seguir se
apresenta o diretor motivado pelo desejo de construir um androide semelhante ao
seu filho Tobio que faleceu num
acidente automobilístico, tendo coagido outros cientistas do Ministério para
desenvolverem coletivamente essa tecnologia [Tezuka, 2002a]:
Figura 1- Capítulo 1, The Birth of Astro
Boy, página 23 [1975)
O doutor Tenma começa a
conviver com o Astro Boy como se esse fosse seu filho, chamando-o por Tobio,
ensinando-o a brincar e estudar como se realmente fosse uma criança. A
ilustração a seguir mostra o momento quando o doutor percebe que o androide não
apresenta as características humanas que desejava, como o crescimento físico.
Nessa situação, ele é vendido para um dono de circo que pretendia lucrar com as
performances do androide lutando com outros robôs [Tezuka, 2002a]:
Figura 2 –
capítulo 1, The Birth of Astro Boy,
página 28 [1975]
No desenho a seguir se
apresenta uma das performances de Astro Boy no circo enquanto o professor
Ochanomizu, novo diretor do Ministério da Ciência após a saída do doutor Tenma,
busca procurá-lo. Ele convida o androide para conviver com ele quando oferece a
oportunidade de estudar numa escola e aprimorar sua força, tendo o dever de
utilizá-la apenas para garantir e promover o bem-estar das pessoas [Tezuka,
2002a]:
Figura 3 -
capítulo 1, The Birth of Astro Boy,
página 30 [1975]
As atitudes do doutor Tenma
descritas acima, enquanto diretor do Ministério da Ciência e pai que sofreu
pelo falecimento seu filho, podem provocar o seguinte questionamento: qual é a
concepção de ciência e os interesses que podem orientar as produções de
tecnologias científicas? Percebe-se que o doutor
Tenma utilizou conhecimentos e práticas científicas, investidas com recursos
materiais e humanos desse Ministério da Ciência, para construir um androide que
a princípio deveria ser programado para conviver e trabalhar para os seres humanos.
Contudo, a construção desse androide também
foi orientada pelo interesse
do Tenma em criá-lo à semelhança de seu filho, possivelmente para mediar o
sentimento de luto pelo falecimento desse.
Segundo capítulo:
The Hot Dog Corps
No segundo capítulo, conforme
o Astro Boy convive com os humanos numa escola onde estuda, o androide começa a
ser convocado para lidar com cientistas que utilizam a tecnologia científica motivados
por interesses pessoais. Esses interesses geralmente estão relacionados ao domínio de territórios e seus recursos
naturais. Por exemplo, na imagem a seguir, apresenta-se uma duquesa
chamada Anta Maria que deseja dominar a Lua. Ela justifica que essa a pertence
devido à sua mãe ter sido a primeira astronauta do governo soviético à chegar
na Lua e ter desaparecido nesse lugar.
Para dominar esse território, a duquesa promove a captura de cachorros para
utilizar o sistema nervoso desses animais na fabricação de robôs que possam
impedir os japoneses de tomarem esse território [Tezuka, 2002a]:
Figura 4 – capítulo 2, The Hot Dog Corps, página 70 [1961]
Astro Boy decide investigar o
caso de um cachorro capturado pela Duquesa, chamado Pero, pois o professor e cientista que adotou Astro Boy pediu sua ajuda
para investigar as intenções dessa duquesa e a origem destes robôs que
são programados para assassinarem os japoneses que se aproximaram da Lua. Na imagem a seguir se apresenta o médico que trabalha para a duquesa. Ele admite que devido ao
fato dos cachorros poderem atacar seres humanos, seu sistema nervoso
foi implantado em robôs para permitir que esses sejam programados para feri-los. Na próxima ilustração,
abaixo, o professor Ochanomizu também identifica em seu laboratório o uso desse
sistema nervoso em robôs [Tezuka, 2002a]:
Figura 5, capítulo 2, The Hot Dog Corps,
página 97 (1961]
Figura 6, capítulo 2, The Hot Dog Corps, página
113 [1961]
Nessa investigação, Astro Boy
descobre que o médico e cientista responsável por produzir esses tipos de robôs se chama Junkovitch’s. Na imagem
a seguir, um desses robôs questiona o fato desse médico ter os programado para
atenderem interesses alheios que comprometem a sua felicidade. Nessa imagem se
pode interpretar como as intenções do cientista se refletem nas atitudes dos
robôs, refletindo que as repercussões da tecnologia científica também estão
condicionadas às intenções que modulam sua utilização na sociedade [Tezuka, 2002a]:
Figura 7, capítulo 2, The Hot Dog Corps, página 194 [1961]
Terceiro capítulo: Plant
People
O terceiro capítulo apresenta
que o androide Astro Boy além de lidar com humanos que buscam utilizar
tecnologia científica mobilizados por interesses pessoais, assim como o doutor Tenma
a utilizou para mediar
o sofrimento pelo falecimento de seu filho e a duquesa para realizar seu interesse em dominar um território, também precisou
lidar com um extraterrestre de um planeta chamado Alsoa 12. Na ilustração a
seguir, revela-se que esse reivindica construir uma base próxima à casa onde estava
Astro Boy. Esse extraterrestre pretende
recolher metade das reservas
de água do planeta terra, utilizando robôs para recolhê-la e levá-la para o seu planeta que tem sua existência
ameaçada devido a falta desse recurso
natural [Tezuka, 2002a]:
Figura 8, capítulo 3, Plant People, página 2014 [1961]
A partir da ajuda de um outro alienígena desse planeta,
mantido prisioneiro dentro da
nave, está ilustrado na imagem a seguir que o Astro Boy consegue destruir os
robôs e devolver as reservas de água ao planeta terra. Essa narrativa também
permite interpretar como uma
tecnologia cientifica pode ser utilizada para disputar territórios e controlar
de seus recursos, quando estrangeiros os reivindicam
[Tezuka, 2002a]:
Figura 9, capítulo 3, Plant People, página 219 [1961]
Quarto capítulo: His
Highness Deadcross
No que concerne ao 2º volume
do mangá, foram analisados o quarto e o quinto capítulo. No quarto capítulo,
Astro Boy tem a missão não só de mediar conflitos causados por robôs comandados
por seres humanos, mas também de ajudar um androide a ocupar espaços de poder
na sociedade. Nessa circustância, Astro Boy é convocado por um androide chamado
Rag. Esse é considerado o primeiro androide a ser eleito como presidente quando
robôs e androides também puderam elegê-lo. Na ilustração a seguir, Rag solicita
ao Astro Boy para que descubra quais são os humanos de uma sociedade secreta
chamada Deadcross, liderada por um cientista com esse codinome, que ameaça Rag
por ocupar esse cargo. O presidente enfatiza que precisa
solucionar essas ameaças
sem ferir as pessoas,
ressaltando que embora os androides tenham sido criados para servir os humanos
cada vez mais esses têm autonomia para ocupar os papéis que as pessoas realizam
na sociedade [Tezuka, 2002b]:
Figura 10, capítulo 4, His Highness Deadcross, página 246 [1960]
Nessa tentativa de ajudar o
androide a permanecer no cargo de liderança, Astro Boy descobre que esse foi
criado à semelhança do próprio cientista que o construiu. Na ilustração a
seguir, revela-se que essa criação teve como motivação programar um androide
para ajudar o cientista à ser eleito como presidente. Contudo, conforme esse
androide começou a estudar por conta própria,
também começou a problematizar sua própria condição
de submissão aos interesses do seu criador e decidiu por concorrer a
eleição como presidente para possibilitar que outros androides superem essa
condição de submissão aos interesses alheios [Tezuka, 2002b]:
Figura 11, capítulo 4, His Highness Deadcross, página 284 [1960]
Na próxima imagem se apresenta
o professor e cientista Ochanomizu num diálogo com o outro cientista
que criou Rag, incentivando-o à reconhecer que os robôs
não devem ser mais tratados
como escravos e que o cientista deveria estar contente por sua própria criação ter conseguido conquistar o cargo de presidente. Esse cientista não concorda com o Ochanomizu e tenta se matar,
pulando de um prédio. Durante a queda, Astro Boy o salva e o cientista desiste
de continuar ameaçando Rag [Tezuka, 2002b]:
Figura 12, capítulo 4, His Highness Deadcross, página 315 (1960]
Quinto capítulo: The Third
Magician
Ainda no 2º volume desse
mangá, no quinto capítulo, Astro Boy precisa ajudar um androide que também está
tendo seu papel na sociedade problematizado enquanto trabalha fazendo
apresentações públicas de truques. Ele se chama Kino e diz trabalhar dessa
forma para deixar os humanos felizes, principalmente com o truque de atravessar
paredes que é o mais admirado pelos
humanos. Na próxima imagem, revela-se que por causa desse truque o mágico Kino
está sendo ameaçado por um
professor e cientista chamado Noh Uno. Esse pretende programá-lo para utilizar
essa técnica do truque e ganhar dinheiro com roubos, por exemplo, de pinturas
que valem muito dinheiro [Tezuka,
2002b]:
Figura 13, capítulo 5, The Third Magician, página 335 [1961-1962]
Na imagem a seguir,
Astro Boy tenta convencer o androide já programado
pelo Uno para ir ao Ministério da Ciência onde os cientistas podem repará-lo. Ao mesmo tempo os
policiais desconfiam que o Astro Boy está favorecendo os roubos dos quadros e, por essa razão, não querem contar com a ajuda desse androide para solucionar
este crime [Tezuka, 2002b]:
Figura
14, capítulo 5, The Third Magician,
página 363 [1961-1962]
Na seguinte imagem, os
policiais também planejavam recorrer ao Ministério da Ciência para reclamar
sobre o androide que roubou os quadros e, como punição,
exigir uma lei que obrigue a
fabricação de cérebros eletrônicos em robôs para que sejam obedientes aos
humanos. Contudo, os policiais ainda não sabiam que essa tecnologia científica
já estava sendo utilizada para atender as intenções de um cientista [Tezuka,
2002b]:
Figura 15, capítulo 5, The Third Magician, página 363 [1961-1962]
Astro Boy descobre que ao
invés de programar Kino para roubar, o professor-cientista Noh Uno criou um androide idêntico
ao Kino. As duas
imagens a seguir mostram que Astro Boy reencontra
o próprio Kino tendo o plano de capturar sua cópia quando descobre que os
truques do ilusionista são baseados
em conhecimentos científicos. Neste sentido Kino
revela que utiliza um gás que afeta
os olhos humanos e dificulta para enxergar, permitindo ao androide pular
para o outro lado do muro
sem ser notado pelos policiais [Tezuka, 2002b]:
Figura 16,
capítulo 5, The Third Magician,
página 378 [1961-1962]
Figura 17, capítulo 5, The Third Magician, página 380 [1961-1962]
Na seguinte ilustração,
retrata-se que os policiais desistem de exigir a fabricação de cérebros
eletrônicos para tornar os androides obedientes quando o professor-cientista
Ochanomizu explicou que o cientista Uno criou uma réplica de Kino para
obedecê-lo, assegurando que o Kino original trouxe sua réplica para que
Ochanomizu o modificasse [Tezuka, 2002b]:
Figura 18, capítulo 5, The Third Magician,
página 404 [1961-1962]
O fato de Astro Boy e outros
androides representarem uma tecnologia científica que sempre precisa controlar
sua força e possíveis impactos, quando interage com as pessoas e quando são
programados para realizar interesses humanos, pode retratar uma crítica quanto
a ideia do desenvolvimento que apresenta as tecnologias científicas apenas como positivas para a sociedade, sem mencionar suas possíveis consequências. Assim como o personagem
Astro Boy pode representar uma forma de ressignificar as consequências desse
desenvolvimento científico e tecnológico, que impactou as vidas cotidianas
nessa sociedade japonesa, quando os androides retratam uma possibilidade de
promover o bem-estar das pessoas [Fuller, 2015].
Referências
Bruna Navarone Santos é Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestranda em Ensino em Biociências e Saúde pelo Instituto Oswaldo Cruz/ Fundação Oswaldo Cruz (PGEBS/IOC/Fiocruz). E-mail: bnavarone@gmail.com.
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ResponderExcluirPrezada Bruna Navarone Santos,
ResponderExcluirPrimeiramente, parabenizo pelo texto e pelas reflexões propostas tendo como ponto de discussão o mangá, no caso específico "Astro Boy".
Como professor de educação básica tenho utilizado histórias em quadrinhos como um recurso didático para discutir diferentes temáticas em sala de aula. As perspectivas sobre o(a) cientista, destacado em seu texto através do mangá selecionado, é um tema de grande importância na atualidade. Principalmente neste contexto de pós-verdade, fake news, youtubers que se apresentam como os "donos" da verdade não revelada nas escolas etc. Na sua opinião as Histórias em Quadrinhos podem contribuir para aproximar o diálogo científico e os estudantes do Ensino Fundamental? Você teria como indicar outras obras no formado HQs que abordam esta temática da ciência, do cientista? Desde já, agradeço.
Prezado professor Fabian, muito obrigada pelos parabéns, reflexões e perguntas tão pertinentes! Muito feliz que também esteja utilizando os quadrinhos em sala de aula! Com certeza, as histórias em quadrinhos japonesas podem contribuir para essa aproximação dos estudantes com o pensamento científico. Inclusive, recomendo os trabalhos da doutora Adriana Yumi Iwata que teve a oportunidade de pesquisar sobre esse contato dos estudantes no ensino fundamental e médio, com um mangá chamado Sigma Pi que aborda questões de ensino de química vivenciadas por jovens estudantes. Algumas dessas obras que irei mencionar a seguir podem não ser recomendadas para menores de 18 anos, contudo, os professores podem selecionar apenas os diálogos importantes para instigar as disposições necessárias a essa apropriação do pensamento científico. De acordo com o educador Michalinos Zembylas que trata da abordagem Affective Turn sobre como a emoção está ligada à cognição em que ambas integram o processo de investigação e pensamento científico, eu entendo que as narrativas do mangá podem proporcionar justamente o que Zembylas argumenta ser uma das disposições importantes para os estudantes se familiarizarem com o pensamento e investigação científica: sentimento de insatisfação sobre o que já conhecem e que mobiliza para acessarem novos conhecimentos, habilidades e os fundamentos desses, questionando o que já conhecem. Os mangás como Astro Boy e Naushika do Vale do Vento apresentam narrativas incríveis para provocar os estudantes a pensarem sobre diferentes noções de corpo humano, natureza e ciência na cultura japonesa e na cultura ocidental. Principalmente por serem narrativas que trazem personagens que mostram essas diferentes noções em contextos do cotidiano próximos a nossa cultura ocidental, mostrando interações mediadas por tecnologias científicas com o ambiente. Assim, essas narrativas mostram essas vivências como passíveis de serem vivenciadas pelos interlocutores, quando também comunicam metáforas que geralmente remente aos fatos históricos como os impactos da bomba atômica no ambiente.
ExcluirPrezado professor Fabian, também recomendo esse artigo que escrevi sobre o filme de animação e mangá Naushika do Vale do Vento e as possibilidades de ensino com esse material "Contextos históricos e sociopolíticos dos Mangás e Animês e sua potencialidade no ensino": https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/41589
ExcluirPrezado professor Fabia, tanto o filme de animação quanto o mangá Naushika do Vale do Vento tratam sobre um mundo pós-apocalíptico onde os recursos naturais estão escassos e, cada vez mais, a superfície das terras habitáveis se torna danosa demais para a saúde humana. A protagonista da história é a princesa e cientista Naushika que busca estudar os fatores que causam a poluição do solo. Inclusive, ela usa tubos de ensaio e outros instrumentos para estudar as propriedades desse solo em seu laboratório.
ExcluirAssinado: Bruna Navarone Santos
ExcluirPrezada Bruna,
ExcluirAgradeço pela resposta e pelas indicações.
Desejo-lhe sucesso.
Abraço.
Muito legal seu texto! Essa preocupação com os limites da ciência também aparece na literatura. Não podemos pensar, a partir da mesma história, na discussão sobre os espaços da ideia de humanidade e ética?
ResponderExcluirAtenciosamente,
Janaina de Paula do Espírito Santo
Prezada Janaina,
Excluirmuito obrigada!
Concordo! como exemplo, esse mangá Astro Boy traz muitas questões para falar sobre a responsabilidade ética dos cientistas nas pesquisas com humanos Por exemplo, essa história do mangá pode integrar uma discussão sobre o contexto que mobilizou o código de Nuremberg após a Segunda Guerra Mundial e os princípios éticos que devem reger uma pesquisa.
Assinado: Bruna Navarone Santos
Querida Bruna, que grande prazer poder estar aqui e comentar mais um trabalho seu :D
ResponderExcluirDurante a leitura, surgiram algumas dúvidas (que não deixam de servir como possibilidades de pesquisa). Embora fujam um pouco do tema, ainda assim são próximas a ele. Vamos a elas.
No episódio “Fukushima: o dia em que o Japão sofreu um triplo desastre”, da série “21 notícias que marcaram o século 21”, organizado pela BBC News Brasil, é comentado que a partir de 1954 o Japão passou a investir em energia nuclear, sendo que a Usina Nuclear de Fukushima foi inaugurada em 1967, um período turbulento da história japonesa. Nessa mesma época estava sendo edificado o Aeroporto Internacional de Narita, motivo de forte indignação por parte dos moradores locais que, sem aviso prévio, seriam desapropriados de suas terras. A despeito dos inúmeros conflitos que postergaram a inauguração do aeroporto até 1978, um dos embates mais famosos contra o governo foi o “Sanrizuka Struggle” (“Sanrizuka tōsō”), ocorrido em 1966. Tendo isto em vista, a senhorita saberia me dizer se igualmente aconteceram manifestações sociais em oposição à construção da Usina Nuclear de Fukushima? Quantas usinas nucleares o Japão alberga atualmente?
A outra questão que tenho é mais voltada ao universo da produção cultural. Na contracapa de “Ayako”, Katsuhiro Otomo (autor de “Akira”) presta generosa frase de homenagem a Osamu Tezuka. Ou seja, é nítida certa influência de um sobre outro. Mas, resta questionar-se até que ponto a produção do “Deus dos mangás” não teria também exercido um influxo em obras como “Nausicaä do Vale do Vento” e “Ghost in the Shell”, ou até mesmo no cinema de expoentes do “cyberpunk” japonês, como Shinya Tsukamoto e Shozin Fukui.
Minha cara, parabéns pelo texto e pela pesquisa!
Cordialmente,
João Antonio Machado.
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ResponderExcluirBoa tarde! Achei muito interessante esse trabalho. Seu texto tem como foco os mangás do Astro Boy, mas vi que vários trabalhos que estão sendo apresentados neste simpósio apresentam os mangás como tema principal.Este fato evidencia que os estudos e que as pesquisas acadêmicas acerca deste tipo de material estão crescendo bastante no Brasil. Bruna, como você avalia o avanço dos estudos envolvendo mangás no Brasil e como eles podem ser abordados em sala de aula?
ResponderExcluirAtenciosamente,
Iuri Biagioni Rodrigues
Prezado Iuri,
ResponderExcluirMuito obrigada pelo reconhecimento e questões pertinentes.
No artigo da Elisa Sasaki "LÍNGUA E CULTURA POP JAPONESA NO BRASIL RESULTADOS DE UMA PESQUISA DE CAMPO EM SÃO LUÍS (MA) E FORTALEZA (CE)" percebe-se que o acesso da cultura pop japonesa no Brasil tem instigado o interesse de brasileiros que não possuem descendência japonesa em trabalhar com essa cultura, no empreendimento de eventos sobre essa cultura ou até mesmo no aprendizado e ensino da língua japonesa. Elisa Sasaki identifica que esse acesso ocorre principalmente pelo acesso que esses tiverem com os animês na TV aberta. Já existem pesquisas como as da Adriana Iwata que mostram a potencialidade de ensino com mangás em sala aula, principalmente devido a linguagem desse quadrinho que trata sobre vivências no cotidiano que são verossímeis e que possibilitam engajar o interlocutor nas narrativas que tratam por exemplo sobre fenômenos relacionados ao ensino de química no dia a dia dos personagens. Esse é o caso do mangá Sigma Pi da Adriana Iwata.
Assinado: Bruna Navarone Santos
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